Parte 1 (21 de julho de 1972)
O ano: 1904. O lugar: as planícies verdejantes de Norfolk, na Inglaterra. Os personagens: uma família aristocrática em sua cidadela de luxo e boas maneiras. O narrador: um velho de 73 anos, casto e solitário, recordando o longo e quente verão em que perdeu a inocência de sua infância também casta e solitária. Com esses elementos claros e incisivos, Joseph Losey fez de O Mensageiro (The Go-Between) um filme de grande precisão formal e esplendor decorativo, mas de uma beleza congelada, sem paixão, intensidade dramática ou mistério. Uma narrativa longa (116 minutos) e frequentemente insípida que jamais consegue comungar da sensualidade de seus personagens ou transformar o rigor cenográfico e o requinte de minúcias visuais em algo mais do que um simples e inerte monumento à contemplação estética.
Novamente trabalhando em parceria com o teatrólogo Harold Pinter (seu roteirista em The Servant e Estranho Acidente), Losey manifesta sua tendência ao melodrama barroco (em muita coisa The Go-Between recorda Por Amor Também Se Mata) e sobretudo sua incapacidade em dar vivacidade e calor a criaturas que a câmera examina com um tom solene de cerimônia secreta. Losey se impõe a tal contenção, perante um assunto naturalmente sentimental, que o filme perde sua substância de tragédia e a dimensão de crítica histórica para se converter num itinerário banal, embora suntuoso, pelos caminhos do lugar-comum. A análise de uma época romântica já sepultada se combina à reflexão sobre o fim da infância como se isso não tivesse sido motivo de uma série de filmes recentes, mais descontraídos e por isso mais francos.
Para descrever o ritual de um mundo hermético, onde as pessoas fazem coisas diferentes (“o passado é uma terra estranha”, diz o narrador na frase que abre o filme), Losey e Pinter acharam conveniente fabricar uma engenhosa mistura de Proust com D.H. Lawrence e que termina resultando apenas numa tediosa réplica de Thomas Hardy (autor de Longe Deste Insensato Mundo, por coincidência levado à tela com os mesmos Alan Bates e Julie Christie). Talvez o romance de L.P. Hartley – um santuário de emoções pueris e conflitos óbvios – não permitisse muito mais do que isso.
Parte 2 (22 de julho de 1972)
Para revelar aos espectadores de hoje os segredos da Inglaterra edwardiana de 1904, Joseph Losey deveria no mínimo conferir credibilidade a tudo o que se tornou obsoleto, desde a orgulhosa hipocrisia dos adultos à ingenuidade romântica das crianças. Mas a minuciosa frieza da mise-en-scène retira desses personagens quaisquer chama inquietante e envolvente capaz de fazê-los assumir a sua plenitude dramática. A família que recebe Leo (Dominic Guard) com uma condescendência feudal, o processo de educação sentimental do adolescente transformado em “mensageiro dos deuses” (a comparação com Mercúrio reflete uma linha mítica subjacente mal explorada pelo filme), toda a movimentação estranha de um mundo que ruiu com a 1ª Guerra Mundial, a clandestinidade dos amantes (ligados por uma paixão oculta e nunca surpreendida pela câmara) – em suma, os diversos acordes que compõem esse réquiem barroco sobre a morte das coisas e dos sentimentos são executados com precisão científica, porém – e talvez por isso mesmo – sem comunicar a necessária emoção ou o procurado lirismo.
The Go-Between se realiza satisfatoriamente na reconstituição de época (o ritual da sala de fumar, dos chás no Jardim, do jogo de cricket) para sofrer muitas deficiências na tentativa de enfatizar tudo aquilo que nem sempre a atmosfera silenciosa e enigmática deixa emergir. Losey recorre então a uma simbologia fácil, às vezes tão fabricada que ameaça diluir a estrutura dramática. Assim, por exemplo, a metáfora entre a bela dona venenosa e os males da sociedade que Leo começa a conhecer (numa cerimônia mística e nada sutil, o garoto chega a descarregar a planta numa privada de porcelana fim-de-século). Também a coincidência entre o dia de aniversário de Leo (justamente 13 anos, a idade em que as pessoas deixam de ser crianças mas ainda não são adultos), uma tempestade messiânica e a revelação do ato sexual dos amantes é um efeito artificialíssimo que não se admite no rigor habitual de Losey. Quanto à gradativa intromissão de flash-forwards que levam a ação ao presente (segundo uma técnica de Resnais já bastante gasta pelo uso), o mínimo que se pode dizer é que se trata de um recurso desnecessário. Como desnecessária – e quase ridícula – é a sugestão final de que o velho Leo, perplexo aos 73 como aos 13 anos, permaneceu toda a vida solitário e casto, traumatizado pela visão brutal dos amantes. Uma castração simbólica que se acrescenta a outros símbolos fúteis.
Correio da Manhã, caderno Anexo.

Veja também:
O curioso destino de um filme extraordinário
Belíssima crítica.