O Vencedor, de Peter Yates

O adolescente que finge ser italiano é sempre um inocente. O mesmo podemos dizer de seus três amigos: são todos rapazes inclinados à aventura que suas idades permitem, com pouco para garantir um futuro, o suficiente para viver – o ponto final dessa história, a nos conceder algum alívio – a glória de uma vitória, longe da mesmice.

A essa altura, em O Vencedor, entendemos que o pódio só pode ser passageiro. Não importa. Na cidade com cara de interior, na qual os rapazes ricos vão estudar, na qual os mais pobres batalham para fugir do destino comum, o diretor Peter Yates, com roteiro de Steve Tesich, resolveu contar a história dos naturais da região, quase esquecidos.

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Buscou, regado à descontração, o espírito de resistência: no esporte e na competição, quando os corpos colocam-se em pista para pedalar com toda a força disponível, é como se todos, patrícios e operários, ricos e pobres, por algum momento pudessem ser igualados.

A comédia de costumes quase sobrepõe-se ao clima adolescente tão explorado na década seguinte, seguido por doses de sexo e confusão. O drama repousa ao fundo, na condição dos quase esquecidos, dos filhos dos trabalhadores braçais, cortadores de pedras. Há de se escapar, ou, para nosso alento, ter consciência dessa necessidade.

Torcemos para ver esses meninos embarcarem no carro velho e desaparecerem na estrada – mesmo que por alguns dias, como fazem as personagens de A Última Sessão de Cinema. O escape está no estranho paraíso quadriculado, o riacho no qual mergulham e que contém uma pedra inclinada, na qual estendem seus corpos para tomar sol.

A pedra não foi posta pela natureza. O grande objeto foi cortado, colocado ali por algum parente ou pelo parente de algum amigo desses mesmos garotos. A rocha representa as próprias personagens: torta, deslocada, irregular, estranha àquele ambiente que segue seu curso, ainda assim parte dessa estrutura perdida no meio da mata.

Se as personagens criam ali uma espécie de clube informal, nada mais que o esperado. Se confrontam invasores universitários que ousam ocupar o espaço e se banhar no lago, entendemos suas necessidades, o sentimento de ter seu terreno violado, dado ao estranho. O drama enxertado na comédia responde a essa ideia de não fazer parte da grande instituição cravada na cidade na qual nasceram, o ingresso ao futuro: a universidade.

Os invasores têm ao lado as mais belas garotas. Jogam futebol americano enquanto os nativos assistem de longe, fora do estádio. Criam seus clubes, suas fraternidades, e cercam qualquer nativo enxerido que ouse flertar com uma de suas companheiras. Para conquistar uma dessas beldades, o protagonista precisa ser o que não é, ou seja, um estrangeiro.

Dave (Dennis Christopher) adora os italianos até ser traído por eles. É um ciclista que arranha a língua de Monicelli, que rebatiza seu gato com o nome de Fellini, que ouve óperas e se desvia, por essas supostas excentricidades, do destino dado ao pai (Paul Dooley), um vendedor de carros usados. O homem mais velho questiona a esposa cheia de coração (Barbara Barrie), durante um passeio noturno, sobre o “erro” que cometeram.

Dave quer pedalar ao lado dos melhores, os italianos. Para a bela Katherine (Robyn Douglass), chamada de Katarina, interpreta o rapaz de fora, o conquistador. As confusões, no círculo familiar ou entre jovens, poderiam fazer de O Vencedor uma comédia boba, um passatempo. Nas mãos de Yates, torna-se o retrato de uma época.

Na pele dos amigos há o estourado Dennis Quaid, o autêntico Jackie Earle Haley e o abobalhado Daniel Stern. Ao último é reservado um dos momentos mais engraçados, quando briga com os universitários com uma bola de boliche presa aos dedos. Os “operários” precisam provar alguma superioridade, alguma força. Só lhes resta pedalar.

(Breaking Away, Peter Yates, 1979)

Nota: ★★★★☆

AUTOR: Rafael Amaral, crítico e jornalista

Veja também:
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