Druk – Mais Uma Rodada, de Thomas Vinterberg

Antes de cair na bebida, com doses e garrafas suficientes para trançar as pernas e até se estatelar, Martin (Mads Mikkelsen) assiste ao fim da juventude e do amor. A bebida é um pretexto, uma fórmula, possível antídoto para tentar escapar dessa vida acinzentada que deixou tomar conta de seu cotidiano, pela qual ele próprio é o culpado.

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Desnecessário voltar ao passado para entender o que ocorreu com esse homem. Em Druk – Mais Uma Rodada, fala-se do tempo implacável que tudo consome. A vida passa, a juventude escapa, com ela o amor necessário para ter ânimo, dar aulas (ele é um professor) e manter bons momentos com a família (casado, tem dois filhos adolescentes).

A oportunidade de mudança vem com uma experiência curiosa: um dos três amigos inseparáveis de Martin fala sobre a teoria de que o corpo humano precisa, todos os dias, ter um mínimo de álcool no sangue. A experiência é embasada nas ideias de um renomado psiquiatra. Beber um pouco, ou o suficiente, poderia trazer a felicidade de volta.

A experiência é comprada pelo grupo. Cada um deles passa a beber escondido, e às vezes esquece as garrafas vazias em algum lugar indesejado. Tomam a bebida antes do início de suas aulas. Martin carrega um medidor de álcool no sangue, o conhecido “bafômetro”. Não demora e o homem encontra-se mais animado para suas atividades.

A juventude perdida está presente no descontrole, no viver sem regras, sem as amarras que a vida adulta impõe: não por acaso, o filme começa e termina em festa. Celebra a existência com goles a mais, não exatamente em excesso. O aditivo, quando controlado, pode ser bom. As drogas são necessárias. É preciso dizer e festejar isso.

Thomas Vinterberg tem coragem para tanto. Seus homens estão atrás do equilíbrio, da experiência de uma vida melhor, para voltarem ao jogo que todos os seus alunos conhecem e já experimentaram, e que poderia ser definido como “porre por brincadeira”, competição e provação. Cansamos de ver, em inúmeros filmes, disputas com copos cheios, cujo vencedor é aquele que bebe mais e no fim se mantém de pé.

O diretor dinamarquês, em roteiro coescrito por Tobias Lindholm, abre a história com uma competição curiosa patrocinada por jovens. Com caixas de cerveja, eles correm, param, bebem e seguem em frente. Quem sobreviver à linha de chegada com a coluna ereta é o vencedor dessa maratona alcoólica que representa bem o que as personagens mais velhas perderam – o que para nós, à primeira vista, parece apenas fugaz.

Ao driblar as típicas situações dos filmes sobre alcoolismo e vícios, Vinterberg revela-se grande. Os homens desistem de viver porque suas vidas deixaram de fazer sentido – com ou sem a bebida. Martin precisou aderir à mesma para perceber o que tinha deixado para trás e, na busca pela felicidade irrestrita, o quanto ainda é capaz de estragar tudo.

Redescobrir a vida, para ele, não é resgatar as besteiras da juventude, ter o carro esporte que tinha ou trabalhar com algo que não exija grande responsabilidade – como faz o protagonista de Beleza Americana. É entender que a relação com os outros – alunos, filhos, amigos, esposa – pode ser melhor quando se aceita algumas doses de descontrole.

Com seu rosto quadrado, envelhecido na medida, sem esconder as mechas brancas do cabelo, Mikkelsen sabe como representar o controlado e silencioso, alguém que pode beirar o insuportável em seus vacilos e sofrimentos, como vimos no também poderoso e anterior A Caça, do mesmo Vinterberg. Ao se livrar das amarras, é outra pessoa.

Em Druk, o resultado da experiência com a bebida cabe àqueles que decidem apostar. Pela ilusão, no trançar das pernas, experimentam um pouco do sonho que o filósofo Soren Kierkegaard cita na frase de abertura. Com algum esforço, e ainda que por poucos momentos, chegam àquilo que o sonho abarca: o amor. Fora isso, nada mais importa.

(Druk, Thomas Vinterberg, 2020)

Nota: ★★★★☆

SOBRE O AUTOR:
Rafael Amaral é crítico de cinema e jornalista (conheça seu trabalho)

Veja também:
Pieces of a Woman, de Kornél Mundruczó

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