O Greenwich Village dos anos 1950 é feito de atores jovens e sonhadores e de uma velha geração que grita e ri enquanto trabalha em seus pequenos comércios de rua. Os primeiros assumem uma interpretação e, segundo Paul Mazursky, não serão mais falsos que os outros, os mais velhos, os patrões, pais e mães que continuam por ali, assustados.
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O aspecto frágil dessa vida guiada pela sorte, entre festas e momentos de depressão, entre testes para algum papel no cinema e aulas de teatro, precisa ser irrigado pela descontração, pela brincadeira ou pela piada. É preciso fugir do cotidiano comum de apartamentos sujos, de dias de trabalho atrás do balcão da mercearia do bairro.
Pode soar ingênuo, certamente sonhador. Em Próxima Parada: Bairro Boêmio, Mazursky defende esse estado de fuga constante, sem que o sonho esteja apartado por completo do mundo real. Ninguém precisa ser como Blanche Dubois, que prefere a mágica à realidade, tampouco modelado aos rompantes físicos do algoz Stanley.
Para sobreviver é necessário estar ao meio. E isso, logo percebemos, confronta as ideias do professor de teatro do protagonista, para quem “a piada é a doença do ator americano. É a doença do americano em geral. O que você faz é manter a realidade de fora, para que ela não o atinja. A pior piada que você pode fazer é manter a vida de fora”.
No filme de Mazursky, a vida nunca está de fora – apesar da piada. Mesmo após uma situação que envolve aborto, a piada ainda é presente, necessária àqueles jovens próximos da vida adulta, ou àqueles adultos que recorrem à interpretação, à idiotia, para se sentirem mais jovens, para tentarem não perceber a relação entre aborto e morte.
Para o judeu Larry Lapinsky (Lenny Baker), a transformação depende apenas de alguns passos e doses de coragem. O que está em jogo é seu estado de espírito. Ele quer ser ator. Sai do Brooklyn – das asas da mãe (Shelley Winters) – para viver em Greenwich Village. Por atuar, ele entende algo preso à própria vida e não deixa saber quando inicia ou termina uma performance para amigos, família, para qualquer um ou ninguém.
Na estação de trem, à noite, ele apresenta-se para uma garrafa. Em seguida surge um guarda noturno para pedir silêncio ao jovem deslumbrado com a própria liberdade, para dizer que não é um bom ator. Cremos, por algum momento, estar próximos do guarda camarada, conselheiro, do anjo da guarda do cinema clássico, impressão que logo se desfaz.
Mazursky transporta-nos a um tempo em que os sonhos eram necessários, quando ainda era possível – à revelia dos “normais”, do guarda da estação, do senhor da mercearia – atravessar a rua dançando para visitar a amiga atriz que anuncia, por telefone, o suicídio desacreditado. Quando a realidade se impõe, o grupo silencia, petrifica, a atuação perde espaço.
Se a piada precisa ser posta de fora, só será assim quando a realidade for dura demais. Ou quando for expulsa, à sombra do pior dos ambientes, da pior das situações. As mudanças – talvez seja exagerado dizer “revoluções” – não são indignas da graça, como o mesmo Mazursky mostrou antes em Bob, Carol, Ted e Alice, sobre burgueses vivendo a liberdade sexual dos anos 1960, na América colorida contra a Guerra do Vietnã.
E é graças à piada – ao seu modo de viver inseparável da atuação alegre – que Larry consegue sua chance no cinema hollywoodiano, ao sol de Los Angeles, para longe do bairro charmoso em que vivia, onde cresceu, pelo qual caminha, ao fim, enquanto assiste às crianças brincarem, àquelas máscaras do passado que certamente não verá mais.
(Next Stop, Greenwich Village, Paul Mazursky, 1976)
Nota: ★★★★☆
Veja também:
Luar Sobre Parador, de Paul Mazursky