Os Bandidos do Tempo, de Terry Gilliam

Um cavaleiro medieval rompe as portas do armário, faz barulho, quebra móveis no quarto da criança no meio da noite. Desse mesmo armário, um dia depois, surgem os anões, os bandidos do tempo, através de diferentes épocas para pilhar tesouros da humanidade, não sem cair sobre alguém. Com essas aparições, compreendemos a necessidade da criança.

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O menino nutre-se da aventura, da sujeira, da molecagem, algo que o universo real não pode lhe fornecer. Ele vive com pais que sentam em poltronas encapadas com plástico para assistir aos programas de auditório em que a regra é sempre ganhar mais dinheiro – na falsa aventura que a televisão proporciona como nenhum outro instrumento.

Os pais preocupam-se com o instante seguinte da vida quadrada à qual a imaginação da criança responde com fuga. Fugir dos pais, da família, da casa – justamente das formas que a aprisionam à aceitação das coisas como são, ou como pinta a mesma televisão.

Escape a um pouco de história, não a qualquer uma. Longe da real, com maiúscula. Escape à história pelo olhar do menino, pelos heróis que não chegam a ser heróis, bandidos prontos a se redimir, pequenos que carregam faces calejadas e a malícia dos adultos, anões que se mesclam ao garoto e nem sempre deixam ver quem é um ou outro.

Na batalha final, entre naves e tanques contra o Todo Poderoso (David Warner) em sua capa vermelha, o destino da humanidade, para o diretor Terry Gilliam, depende de uma disputa boba, infantil, do bem contra o mal. Uma guerra de raios sem sinais de dor, moldada a figurinos e cenários propositalmente imperfeitos. A criança, na contramão de tempos estranhos em que o absurdo é inerente à vida moderna, introduz lata e papelão.

Do célebre Monty Python, Gilliam não tem limites. Sua fuga infantil ao mapa do tempo inclui um Napoleão (Ian Holm) mais interessado no teatro de marionetes do que em conquistar uma cidade; um Robin Hood (John Cleese) hipócrita, falso, o líder populista de uma republiqueta de bananas; um Agamenon (Sean Connery) um pouco perfeito, bravo e justo, que se deixa enganar pelos anões – que roubam sua coroa – enquanto é entretido.

História falsa mas leve. A partir de Kevin (Craig Warnock), garoto decidido a dormir cedo para sonhar mais, Gilliam conduz a uma fábula torta, cheia de curvas e situações inesperadas, como a materialização do Ser Supremo – acima do Todo Poderoso – no velho homem educado que veste terno e detesta desorganização, na pele do veterano Ralph Richardson.

Parece ser o típico britânico que frequenta clubes à tarde para ler jornal e tomar seu chá, presença irônica, fecho estranho no qual o velho estereótipo dá as caras. Não dá para ter tudo. Lembramos, claro, do Poderoso Oz que Dorothy descobre atrás da cortina, controlando os outros a partir da reprodução de um Deus em luzes, um espetáculo teatral.

Interessante pensar, na rabeira desses filmes de fantasia, que os deuses supremos nada mais são que figuras do cotidiano, farsantes, mágicos que compreenderam como mover as peças de um teatro de marionetes pelo qual até o mais poderoso dos líderes, como um Napoleão, pode se ver enfeitiçado. Existências que apenas as crianças podem revelar.

Crescer acompanha essa desilusão. O real insinua-se, penetra, não raro, no absurdo, duela com o sonho. Em algum momento, a realidade supera, e nela o sonho termina por se materializar: depois de um incêndio em sua casa, fruto de defeito no querido micro-ondas de sua mãe, o menino permanece ali, sozinho entre destroços, com as polaroides que podem comprovar suas viagens no tempo, as imagens dos mundos que visitou.

(Time Bandits, Terry Gilliam, 1981)

Nota: ★★★★☆

Veja também:
A zombaria narrativa do Monty Python

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