Em 1965, no Cahiers du Cinéma, o senhor escreveu: “Eu espero o fim do cinema com otimismo”. Hoje, o senhor diz que chegamos ao fim de uma certa época do cinema, e mesmo da arte em geral, uma época que já durava uma dezena de séculos. É o fim do cinema?
Do cinema que se conhecia, gostando-se dele ou não. Esse cinema se tornou, hoje, quase um objeto de museu. Está nas cinematecas. Assistimos ao começo de uma época e agora é, sobretudo, seu fim. Penso que o século XX é o fim de uma época que começou no século XIX. Mas o novo cinema eu não conheço. Vou ainda ao cinema de vez em quando, mas é cada vez mais difícil. Depois dos filmes de Glauber Rocha, não assisti a mais nenhum filme brasileiro. Há filmes dos Estados Unidos quase por todo lado. Podemos ver muitos maus filmes norte-americanos, mas não podemos ver um mau filme brasileiro. E no Brasil é a mesma coisa. Hoje a realidade é a informática, a publicidade. Há filmes que são feitos, mas que não são mais vistos. Ainda se encontram alguns produtores independentes, mas é um sistema no qual não se acredita mais. Não há os meios para que se acredite.
O senhor denuncia a renúncia do cinema como um instrumento de pensamento: “Ele foi feito para pensar e fizeram dele um espetáculo”.
O cinema quase nunca teve essa função de pensamento. De reflexão e de marginalidade, sim. Mas nunca foi um verdadeiro instrumento de pensamento, senão ele teria influenciado a televisão num outro sentido. Ainda hoje, quando há artigos de fundo ou um problema, um mistério a descobrir, um mistério financeiro ou criminal, algo assim, é ainda o jornal que o faz, é a escrita. A televisão conta coisas sobre isso, faz um espetáculo, não é nunca ela que descobre. O Watergate não foi descoberto por jornalistas de televisão.
Como o senhor definiria o cinema hoje?
Hoje as pessoas estão perdidas no cinema. Mas elas preferem dizer que não estão perdidas, e agem como se não estivessem. Para mim, o cinema cobre muito mais do que se diz hoje. O que as pessoas chamam de cinema, atualmente, é um DVD, uma sessão no Champs-Elysées. Prefiro não empregar esta palavra. Não uso palavra nenhuma.
O senhor se mostra um tanto pessimista.
Não. Talvez seja um pessimista alegre ou um otimista triste.
(…)
Como o senhor vê a influência da Nouvelle Vague hoje? Você acredita que o movimento determinou algo em relação à temática ou à forma do cinema posterior?
Acho que nunca houve influência da Nouvelle Vague nos movimentos artísticos. Houve um desdobramento, algo assim, mas influência… O que quer dizer influência? Não sei. Seria preciso estudar, falar um pouco disso tudo.
Jean-Luc Godard, cineasta, em entrevista ao jornalista Fernando Eichenberg, para a Revista Bravo! (n° 61, outubro de 2002) e também publicada no livro Entre Aspas (Editora L± pgs. 22-24). Acima, Brigitte Bardot e Godard nas filmagens de O Desprezo.