Mundialmente famosa, dona de ótimas interpretações, Glenn Close fez uma observação inesperada (ainda que óbvia) em entrevista recente: em 1999, o Oscar de melhor atriz não deveria ter ido parar nas mãos de Gwyneth Paltrow, por Shakespeare Apaixonado, mas para a brasileira Fernanda Montenegro, por sua atuação em Central do Brasil.
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Qualquer um com mínimo conhecimento de atuação em cinema não discordaria. A superioridade de Fernanda é clara. O observação de Glenn Close suscitou diversas matérias e debates na mídia brasileira e nas redes sociais. Em alguns casos, predominou certo ar revanchista: a Cruella DeVil de 101 Dálmatas teria conferido a nós, brasileiros, passadas mais de duas décadas, o gosto da vitória.
No entanto, há algo curioso na declaração e que passou incólume à maior parte da imprensa nacional. Vamos à frase: “Eu lembro do ano que a Gwyneth Paltrow ganhou daquela atriz incrível que fez Central do Brasil”. Quem deveria perder? Paltrow. Quem deveria vencer? A “atriz incrível que fez Central do Brasil”.
Lembrar o nome de Fernanda Montenegro seria demais, não é? Ainda que Glenn Close pareça ter tido a melhor das intenções ao citar a superioridade da brasileira e o erro histórico do Oscar, difícil não se incomodar com o esquecimento, ainda que fácil concluir suas razões: Fernanda é brasileira e não tem carreira internacional conhecida.
Pior ainda é constatar que os motivos por trás de tantos comentários na mídia local não se devem tanto à inclusão (ou não inclusão) da atriz brasileira no comentário da americana. Deve-se, sobretudo, ao Oscar, à sonhada estatueta dourada. A mídia brasileira – e boa parte do brasileiro letrado – tem obsessão pelos prêmios da Academia. Ganhar um Oscar, quando isso ocorrer, será para muita gente como ganhar a Copa do Mundo.
A histeria em torno da frase de Glenn Close revela nosso persistente vira-latismo, nossa posição vassala à imagem da estrela internacional – ao sistema que ela representa, Hollywood, calçada da fama etc – que sequer lembra o nome da “atriz incrível que fez Central do Brasil”. A atriz incrível, Fernanda Montenegro, é maior que o Oscar.
O crítico de cinema Luiz Carlos Oliveira Jr., em entrevista ao canal do Cinusp no YouTube, em 2015, refere-se à preocupação de parte da mídia brasileira com o Oscar de “caipirice”. “Quando O Pagador de Promessas ganhou Cannes, eles [os realizadores do filme] chegaram de navio em Santos e andaram de carro de bombeiro pela cidade. É o que vai acontecer se um filme brasileiro ganhar o Oscar. É muito caipira isso.”
Ao invés de gastar tinta e tempo para aflorar nossa vassalagem – quase sempre de maneira inconsciente, vassala como é -, a imprensa local deveria se atentar à outra frase de Glenn Close – roubada, ao que tudo indica, de George C. Scott, que ganhou o Oscar em 1971 e não foi receber: “Eu nunca entendi como alguém pode comparar atuações.”
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