A Grande Jogada, de Aaron Sorkin

As personagens de Aaron Sorkin banham-se em certeza irritante. Suas respostas rápidas – filhas do deus Google como são – tornam a aproximação à máquina quase natural: vem daí os termos inesperados, as porções matemáticas de um Mark Zuckerberg ou um Steve Jobs. Da mulher de A Grande Jogada, Molly Bloom, resta algo sempre fora do lugar.

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Duvidar de sua força é perda de tempo. Personagem fraca não chegaria tão longe. O problema é que Molly (Jessica Chastain) não se explica ou se revela, não diz qual jogo quer jogar, não se aproxima: ao menos até a metade do filme, não é possível saber se mente ou se protege alguém, se prefere editar sua história a favor de sua imagem ou se está mesmo disposta a contar tudo. Com ela e suas certezas ficamos de mãos vazias.

Não se tem a dama esperta como não se tem por completo a humanidade dos gênios de frases rápidas – para não dizer prontas, tão calculadas – dos filmes anteriores, Zuckerberg e Jobs. Sorkin acumula também a direção. O resultado beira a frieza, o estéril: a figuração da imagem, aqui a serviço do texto, da corrida dos verbos, como se isso bastasse.

Para piorar, Sorkin tenta nos dizer tanto em tanto tempo – o filme é interminável – que acaba não dizendo nada. A Molly que resulta no encerramento segue a do início: um enigma. O problema é perceber que o diretor e roteirista esforçou-se o tempo todo para lhe conferir algo além da jogadora, da bela moça que recusava frequentar a cama de seus clientes.

Resultado possível – para não dizer previsível – de um tempo politicamente correto. Molly precisa afirmar sua própria distância e esterilidade, como barreira natural, ponto em que se estabelece como profissional da vida. É alguém que se dá ao luxo de dispensar sinais humanos que, nesse caso, poderiam denotar fraqueza no reino de homens.

A bela circula as mesas. Comanda-as sem deixar perceber. Viveu cercada de figuras poderosas nos jogos que organizava noite adentro: cantores, atores de Hollywood, empresários, mafiosos. Sem fichas, os jogadores recorriam à margem da mesa – e lá estava Molly para acudi-los, concedendo algumas fichas como empréstimo.

Sorkin nem precisa dizer, está impresso na película: Molly é a mais bondosa de seu ramo, por isso mesmo dona de dívidas intermináveis. É dessa bobagem implícita, dessa dificuldade de ir além, de sequer mostrar a bela cheirando uma carreira de cocaína, que esse filme é feito, no mundo dos negócios a reboque de Wall Street.

Chastain é forte. Não basta. É a mulher certa para o papel, capaz de se impor sem deixar de conceder o que põe os homens de joelhos: para todos os apostadores – entre a estrela de cinema com cara de nerd e o mafioso barbudo – ela entrega apenas o decote. Deixa ver o suficiente. Da menina que tentava provar algo ao pai passa à “princesa do poker”, em noites em quartos de hotel, para se jogar até o amanhecer.

Começa com uma queda: esquiadora, ela é obrigada a abandonar o sonho de se tornar atleta de ponta após sofrer um acidente. Toma outro rumo, decide ganhar a vida. O roteiro é manjado: torna-se a garçonete preparada para dizer frases certas e arrancar dinheiro dos riquinhos que consomem em casas noturnas, a lhes servir a bebida mais cara.

A moça descobre que esses homens querem pagar apenas pela marca, pelo prazer de estar ali, rodeados pelo risco ou pelas mulheres. Daí às apostas altas o salto é pequeno. Molly segue arriscando. Sobe, fatura, apanha, cai. Resta então outro caminho: um advogado confiável (Idris Elba) e a jornada por tribunais. Há um pouco de tudo, menos humanidade. Seguimos até o fim sem saber quem é essa profissional.

(Molly’s Game, Aaron Sorkin, 2017)

Nota: ★☆☆☆☆

Veja também:
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