A Vastidão da Noite, de Andrew Patterson

Poucos recursos podem trazer grandes oportunidades. O argumento é velho, virou clichê e foi explorado no clássico Assim Estava Escrito, de Vincente Minnelli: para fazer um filme de monstro sem cair no ridículo, o mais indicado é esconder as bestas. Recorrer às sombras, ao medo, à incerteza, também aos sustos.

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O filme de Minnelli é dos anos 1950. A Vastidão da Noite, de Andrew Patterson, é ambientado na mesma época, quando, nas telas, alienígenas ocupavam o lugar dos soviéticos. Invasores entre nós, os humanos em suas casas agradáveis, suas pequenas cidades povoadas por pessoas sonhadoras como Fay Crocker (Sierra McCormick).

O filme de Patterson desenrola-se em apenas uma noite, algumas horas. A cidade toda está voltada à partida de basquete do ginásio local. Fay, ao contrário, está presa a uma sala de máquinas e fios, não muito longe da quadra em que ocorre a disputa esportiva. Nessa pequena estação telefônica, ela recebe e transmite ligações.

O estranho acontece. Primeiro o som, mais tarde as sombras. Fay, por acidente, intercepta uma mensagem sem sentido, ruído que pode ter vindo de algum ponto distante, ou próximo. Não se sabe. Seu amigo Everett (Jake Horowitz) – com quem passa um bom tempo conversando sobre o futuro, sobre como o mundo será e como ela gostaria que fosse – é convidado a conhecer esse som. Radialista, ele decide transmiti-lo a seus ouvintes.

Na noite em que todos estão com os olhos voltados à partida de basquete, em que a cidade sente-se no corpo daquele time de meninos e toda a pequenez é reproduzida nesse espaço amarelado e perdido no tempo, os outros dois jovens unem-se em uma jornada por ambientes mal iluminados, em luta contra os próprios medos.

Para além das sombras, do oculto, o diretor felizmente tem o material humano: aquele jovem casal tem apenas a si mesmo. E ao filme, criativo em tantos momentos, isso é (quase) o suficiente. São jovens sonhadores que se divertem com pequenas ou grandes máquinas, com o gravador de mão ou o microfone da rádio e suas parafernálias.

Suas expressões de excitação dizem muito sobre um tempo e um lugar, época em que se esperava e se sonhava com a ação, ou, sobretudo, em que o fantástico – aliens, monstros, seres das sombras ou os soviéticos, que ousaram chegar ao espaço antes dos americanos – podia conviver com o simples apagar de uma lâmpada.

A boa conexão entre os jovens é necessária. Nesse quesito o filme acerta em cheio: ficaríamos horas ouvindo Fay e Everett conversarem sobre o futuro, relação que dá a exata ideia de duas pessoas sozinhas, com pouco mais que si mesmas. O som que interceptam é mais que uma possibilidade de aventura: é a porta de saída daquela cidade.

O mesmo som leva a uma ligação telefônica de um homem que teria tido contato com uma nave alienígena, além de uma senhora de fala ponderada, sábia ou demente, saída de um seriado de mistério de décadas anteriores, interpretada por Gail Cronauer. Segundo ela, os alienígenas podem penetrar o corpo dos humanos e furtar suas almas.

Toda a história, como fica claro na primeira cena, está no interior da televisão. A forma da tela e a baixa qualidade da imagem, em momentos, revelam o próprio filme, a ficção, as vidas – e, aqui ou acolá, seus clichês – assistidas por nós. Fora da caixa com imagens, dessa história de sonhadores, somos um pouco alienígenas, observadores de um mundo distante.

(The Vast of Night, Andrew Patterson, 2019)

Nota: ★★★☆☆

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