Moscou Não Acredita em Lágrimas, de Vladimir Menshov

A história de três mulheres logo dá lugar à de uma em Moscou Não Acredita em Lágrimas. O melodrama ganha espaço, mas nem sempre é assumido, na trajetória de pessoas entre a cidade e o campo, o moderno e o antigo, em momentos de quietude ou comicidade. As personagens não chegam à profundidade esperada, tampouco à efemeridade.

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A protagonista é Katia (Vera Alentova). Sua transformação, da menina à mulher, convence. Suas dores, nem tanto. Sua força, quase nada. Jovem no início do filme, ela não passou nos exames da universidade e se vê presa a uma história de amor passageira. Engravida, é deixada pelo pai da criança, tem apenas a companhia das amigas.

Essa “mãe Rússia” moderna, sabemos, tem de lutar: sobrevive aos obstáculos, chega a um cargo importante na fábrica em que trabalha – embora não possa ser apenas a mulher no terninho de escritório, a dar ordens aos homens, a percorrer a mesma fábrica enquanto destoa dos demais. A certa altura, precisa andar de trem com um lenço na cabeça.

Ou seja, precisa ser a mulher de antes, mito da mulher proletária que, de vez em quando, refugia-se em belos campos abertos, natureza distante da Moscou urbanizada, de prédios com portas gigantes e bibliotecas nababescas, a reforçar raízes; uma mulher à moda antiga, quase assexuada, figura forte que, ironicamente, inclinar-se-á ao companheiro.

Não estranha que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas tenha conferido o Oscar a essa fita soviética no início de uma década em que o cinema americano mostrava-se conservador – preterindo os grandes Kagemusha, de Kurosawa, e O Último Metrô, de Truffaut. Com Reagan recém-empossado, não se tratava apenas de provocação.

No filme de Vladimir Menshov, as mulheres estão à sombra dos homens. Estes – bêbados, desastrados, fujões e livremente machistas – vencem. Sequer se esforçam. Além de Katia há a espalhafatosa Lyudmilla (Irina Muravyova), em busca do par amoroso, e Antonina (Raisa Ryazanova), destinada ao casamento logo no início.

As mulheres aceitam viver novas vidas, vestem outros papéis, fingem para conquistar companheiros. Katia convida Lyudmilla para ficar com ela, por um tempo, no belo apartamento do tio. Promovem jantares com homens interessantes, para talvez fisgarem o coração de alguns. É ali que a primeira conhece o pai de sua filha.

A protagonista não escapará ao destino de todas nesse falso filme feminista: apaixona-se, anos mais tarde, por um idiota de face quadrada, que bebe ao perceber seu próprio tamanho e insignificância.

A mulher independente é vencida, ou quase punida: nesse filme de cores pálidas, de ambientes velhos, ela não deixará de servir ao papel tolo e um tanto idealizado da dona de casa, impedida de erguer a voz ao marido, que ainda assim chorará sua distância. Nada incomum, o drama dobra-se à comédia para atenuar suas fraquezas.

Moscou Não Acredita em Lágrimas, como outros filmes soviéticos, apoia-se na ideia de que é preciso sacrificar a vida ou o ideal em prol do coletivo. Katia sepulta sua força individual com alguma naturalidade, como se nem percebesse, e reforça o amor, a possibilidade de recriar a família feita à imagem que impõe o homem ao centro.

Em mais de um momento, o pai da filha de Katia, vivido por Yuriy Vasilev, diz que o futuro está na televisão. Que o cinema e o teatro deixarão de existir. As previsões estão erradas. Os costumes do passado – nos lenços femininos, nas idas ao campo, nas artes, na aceitação dos comportamentos machistas – persistem. É disso que trata o filme de Menshov: a luta para resistir às imposições do tempo.

(Moskva slezam ne verit, Vladimir Menshov, 1980)

Nota: ★★☆☆☆

Veja também:
Kagemusha, a Sombra de um Samurai, de Akira Kurosawa

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