Como Sérgio Ricardo compôs a música de Deus e o Diabo na Terra do Sol

Sérgio Ricardo já estava na órbita do cinema novo quando fez a música de Deus e o Diabo na Terra do Sol. Havia dirigido e lançado, em 1962 o extraordinário curta-metragem Menino da Calça Branca, com direção de fotografia de seu irmão, Dib Lutfi, e montagem de Nelson Pereira dos Santos, que teria se oferecido para montar o filme após ver suas imagens brutas. O trabalho não custaria nada a Ricardo.

Na mesma época, Nelson também montava Barravento, primeiro longa de Glauber Rocha (que, dizem, teria ficado com certo ciúme ao saber que Nelson montaria também o curta de Ricardo). Mais tarde, Glauber convida o então famoso cantor da bossa nova para fazer a música de Deus e o Diabo.

A trilha foi composta de uma maneira sui generis. Eu, por exemplo, compus toda a trilha sem ver o filme, apenas com um papel à minha frente, que era o cordel escrito pelo Glauber [Rocha], que me entregou o poema todo e disse: “Olha, vai musicar isso aqui, com as seguintes anotações”. Ele fez todas as anotações de climas que o filme estava pedindo. Eu não tinha visto o filme, não sabia direito. Então, fui ao meu gravador com aquele papel, e fiz uma gravaçãozinha de experiência. E musiquei em uma hora, mais ou menos, todo aquele cordel, supondo fazer uma espécie de uma experiência para que depois ele ouvisse e dissesse se era ou não aquilo. Quando o Glauber ouviu aquela gravação, ele disse: “Olha, porreta! Não mexa mais em nada. É essa aí, essa é a trilha que eu preciso”. E eu digo: “Poxa, mas não tem nenhuma observação, algo que a gente possa mudar […]”. “Não, não precisa mudar nada.” Ele não queria que mexesse em nada. “Tá bom, então tá pronta, agora vamos gravar de verdade.”

 

E a gravação é que foi o problema. Quando entramos no estúdio para gravar a música, era somente voz e violão. Ele me transformou. Eu era um cantor de bossa nova, tinha uma voz toda trabalhada para uma coisa mais urbana. E ele transformou minha voz, me fez berrar feito um cantador de feira. E foi difícil para mim vencer aquele obstáculo, mas eu consegui interpretar como ele queria. Ficou assim de uma maneira bonita e tal, mas absolutamente diferente do que eu imaginava que pudesse ser. Mas era o que ele queria. Glauber era tinhoso. Quer dizer, o que ele queria era o que ficava. Então acabou que ficou aquele negócio assim meio aleatório. Mas era o que ele queria.

 

Mais tarde, quando vi projetado o filme, a trilha com as imagens, eu vi o quanto ele tinha sido fiel à sua própria ideia e o quanto tinha chegado ao que ele queria. Ficou absolutamente irretocável. Foi uma grande surpresa quando vi o filme com a trilha colocada.

O depoimento de Sérgio Ricardo está nos extras da edição brasileira em DVD de Deus e o Diabo na Terra do Sol (disco 2; Versátil Home Video). Acima, cena de Deus e o Diabo; abaixo, a música de Sérgio Ricardo para o filme de Glauber Rocha (que conta também com Heitor Villa-Lobos).

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Veja também:
O encontro de Glauber com Mojica

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