O novo professor segue alguns de seus alunos. Não entende o que move esses meninos e meninas, os mais inteligentes da escola, reunidos na sala em que o protagonista é posto para lecionar. Logo ele, o substituto, ainda sem grande experiência. Logo ali, na sala em que o professor anterior se suicidou ao se jogar da janela, em plena aula.
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Os alunos em questão escolheram experimentar a dor, encarar o que consideram o fim dos tempos, o fracasso da humanidade; nos vídeos que produzem, imagens fortes, de animais mortos e catástrofes, são casadas às suas andanças pela natureza.
Os mais inteligentes, em O Professor Substituto, são niilistas: crianças, ou quase adolescentes, que pensam em excesso, articulam ideias, confrontam adultos e repetem palavras como robôs, desprovidas de humanidade. Tentam entender o que move o mundo, o que leva a todas as desgraças; perderam a empatia, desistiram de lutar.
Até certa altura, o professor tenta entendê-las. Por que são atraídas pela morte? Estariam tramando um ataque terrorista à escola que conta com um alarme alto, com treinamento para que os alunos enfrentem algo do tipo? Vistas a distância, elas testam os próprios limites com golpes contra o corpo, sacos de plástico colocados na face, afogamento.
O filme de Sébastien Marnier prefere o professor, Pierre (Laurent Lafitte), não seus alunos apáticos. Ele tem 40 anos, pratica esportes, sente-se atraído por homens e está preparando uma tese sobre Kafka. Ver-se-á, logo ele, como uma personagem do escritor tcheco que estuda, o que o faz custar a crer na realidade imposta.
A bem da verdade, a certa altura não se sabe o que é delírio ou realidade, o que pertence aos sonhos desse adulto em tempos quentes, de transpiração, de olhares cruzados entre o educador e aqueles que o analisam friamente, que pensam demais, racionalizam em seus próprios termos, decididos a matar ou morrer: seus alunos.
Pierre tem medo do desconhecido. O espaço frio, de repente, é o espaço do suspense. Evita-se aqui o drama do homem que precisa encarar o luto dos outros, como em outro filme recente sobre a substituição de um professor suicida, O Que Traz Boas Novas. Marnier, da obra de Christophe Dufossé, é ousado: provoca o choque do homem que não compreende a opção pela morte com jovens sem maturidade para a certeza dessa mesma escolha.
Ao separar os mais inteligentes em uma só classe, a escola talvez tenha, indiretamente, provocado o encontro desse grupo que precisa se separar, refugiar-se ao pé de uma pedreira, na natureza e nas estruturas de metal sobre as quais se equilibra para matar o tempo, as tardes, sentir-se perto do fim – observado sempre pelo professor escondido.
O olhar do protagonista nunca dá conta do entendimento. Em momentos feito de bobo, ele quer respostas, parece correr atrás de um enigma. A aparência kafkiana ora ou outra se impõe. Há um labirinto a percorrer, espaço desconfortante. Do banheiro brotam insetos, pela parede surge uma barata. O homem – ou os garotos – percebe a nulidade de alguns seres frente ao tamanho do mundo, ou de seu mundo.
A Metamorfose não é sobre um homem que se transforma em inseto, mas sobre um homem que se sente inseto. Os jovens aceitam a desesperança, constroem uma espécie arca para guardar DVDs com imagens da vida na Terra, de seus encontros às catástrofes naturais, das doenças aos abatedouros, antes de tentarem concluir a última prova do plano.
Da natureza vem um som atordoante, a imagem dos raios solares que abre o filme. Pela sacada da casa do professor é possível perceber a natureza em movimento, tudo e nada, o som das coisas, luzes que acendem e apagam. À espera de algo, do pior, Pierre deixa-se consumir pelo medo, pelo mal-estar e, ao contrário de seus alunos, está um tanto despido.
(L’heure de la sortie, Sébastien Marnier, 2018)
Nota: ★★★☆☆
Veja também:
Os Miseráveis, de Ladj Ly