Whity, de Rainer Werner Fassbinder

Alguns clichês do faroeste são incorporados por Rainer Werner Fassbinder a Whity. Em momentos, esses sinais são amplificados a ponto de, paradoxalmente, darem lugar ao vazio, ao teatro de bonecos de cera em cenários falsos, como em um parque de diversões abandonado. Segundo o realizador, os mitos estão desgastados, apontam a algo decadente.

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Porque seu filme é uma revisão abertamente falsa, por isso mesmo com inclinação ao real. Fassbinder conta a história do submisso, do negro obediente que ama a família branca que o açoita. Negro que, à exceção da tinta branca nos lábios, apresenta-se como é, homem grande, silencioso, não raro verdadeiro. Chega a derramar lágrimas, ama sua condição. 

No cinema clássico, os negros sempre foram figuras secundárias, idiotas ou servis, a dizer alguma bobagem que os brancos não podiam dizer e, no faroeste, diminuídas perante o caubói branco, no espaço em que a justiça ainda não foi totalmente fixada.

Whity é interpretado por Günther Kaufmann. Veste roupas vermelhas com alguma constância, destaca-se entre os outros. Gera fascínio inegável entre o patrão e sua família, os Nicholson, à medida que se deixa fascinar por aquelas pessoas que vão além de seus rostos verdadeiros: contra a negação da black face do protagonista vem a white face dos coadjuvantes. Mais que brancos, são máscaras brancas.

A provocação de Fassbinder tem efeito: nesse teatro de fantasmas, a máscara recai aos protagonistas das velhas narrativas, aqui com maquiagens escancaradas. Ao mesmo tempo, o homem negro precisa apenas do leve retoque – do lábio branco – para destoar, ou para fazer explodir a aceitação que tanto revolta as plateias adultas.

A dona da casa e seus filhos querem eliminar o patrão. Recorrem ao empregado, que inicialmente recusa o serviço. Fiel ao amo, reluta em silêncio, sem dar indicativos do que pensa. A natureza predatória circunda Whity a ponto de, ao fim, recorrer à arma para conseguir escapar com a companheira, uma prostituta (Hanna Schygulla).

Whity não mata por ódio. Será difícil viver longe dali sob a certeza de que aquelas mesmas pessoas precisam ser servidas, de que não teria cumprido sua função. Nesse faroeste quase sempre feito a exíguos espaços, de obras de arte penduradas na parede, a morte transmite alívio, ainda que não seja justiça o que o protagonista esteja buscando.

Na abertura, a mãe de Whity, Marpessa (Elaine Baker), expõe a black face. A escolha pela máscara outra vez se desloca à ideia das personagens esperadas nos locais esperados. 

A negra que pouco fala não se alinha totalmente ao filho na obediência aos donos da casa grande. A black face de quem decapita o peixe aos olhos do galo preso revela o que há de pior na sociedade racista representada: a aceitação dos papéis impostos pelos outros. Só perde para a máscara do protagonista, inexorável, de natureza real.

(Idem, Rainer Werner Fassbinder, 1971)

Nota: ★★★★☆

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