Os adolescentes ao centro são confusos, não se definem, comportam-se como crianças (sem qualquer surpresa) e ainda se deixam tomar pelos adultos que, em contraponto, soam velhos em excesso. Jovens que, em dois dos primeiros filmes de Milos Forman, procuram espaços para se firmar, para viver, escapar a bailes, a um caso de amor.
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O aspecto realista a certa altura toca o documentário. O menor dos movimentos será valorizado. Os protagonistas de Pedro, o Negro e Os Amores de uma Loira, Pedro e Andula, observam tudo sem revelar o que procuram, vagam desesperados sem emitir um som sequer.
Ao perceber que fracassou ao perseguir um homem que pode ter furtado a loja na qual trabalha como segurança, em seu primeiro dia no primeiro emprego, Pedro retorna para casa. Sem muitas voltas, diz para o pai o que ocorreu. Declina rapidamente do homem em tentativa de formação à criança que não deixou de ser, à sombra dos mesmos pais.
A cena revela as intenções de seu talentoso diretor, entre o drama realista e a comédia que ameniza, entre o retrato verdadeiro de uma geração que se assume frágil e a graça que produz sem nunca soar diminuída. Tal aspecto ingênuo colide-se com a revelação do desejo sexual, ainda que nem sempre compreendido, sobretudo no pequeno Pedro.
No caso da bela Andula, a negação dá vez ao oposto: ao jovem pianista com o qual flerta, ela diz que não quer que ele leia sua mão, depois cede; diz que não quer subir ao seu quarto, mas cede; diz não sentir confiança nele para que façam sexo, ainda que, em seguida, esteja sob o mesmo, na cama, em plena intimidade, como se se conhecessem há tempos.
A negação demonstra sentimentos inconfiáveis – o que vale também para Pedro. E ainda que ele seja sem dúvida mais imaturo que Andula, sua percepção – ou a forma como dirige os olhos sem nunca deixar fisgar o que pensa, o que fará em seguida – aproxima-o da moça.
Como descrever essas jornadas? De tão realista, a condução de Forman não fornece personagens convencionais, com obstáculos e objetivos. Capta-se uma sucessão de situações que se alternam entre protagonistas e outras personagens menores, sem nunca deixar ver o caminho senão aquele que aponta à juventude em questão.
Os filmes aparentam ser uma colcha de acidentes, de pequenos casos, de pequenas pessoas das quais os mesmos protagonistas não escapam; frágeis como são, aceitam desaparecer entre outros, deixam-se perder, com Forman indicando ao público a alternância que, outra vez, define seus filmes: é sobre um tempo, uma geração, não sobre alguns.
A grandeza provém de um painel prazeroso, nunca vazio, distante demais ou impossível de ser tocado. Em Pedro e Andula, há algo mesmo de universal. Justamente por não se deixarem enquadrar, compreender, em uma forma que não é exclusiva a Forman, que já se deixava estender à nouvelle vague tcheca (a nová vlna) e, por que não?, à francesa.
A maneira como Pedro (Ladislav Jakim) treina sua dança escondido, envergonhado, preso ao próprio paletó como preso à camisa de força, encontra equivalente visual à maneira como Andula (Hana Brejchová), pela manhã, ouve a conversa do amante com seus pais. Misto de esconderijos físicos com esconderijos internos – ou seriam revelações?
A briga familiar ouvida pela garota remete igualmente o espectador ao encerramento de Pedro, o Negro: sentado à mesa com o filho, o pai não se conforma ao constatar que o mesmo não sabe o que fazer da vida. Forman leva a jovens sem rumo certo, o que justifica a viagem de Andula à casa do amante, mala à mão, como que para não voltar mais.
Como Pedro, ela imprime olhar vitimado. Viveu pouco e o suficiente para brigar com a mãe, tentar o suicídio, perseguir alguém – um amante – não para encontrar o amor, ou um de seus amores, como propõe o título. O amor, no caso dela, é mais abrangente, tem a ver com a aventura, os tropeços dessa pequena grande vida que volta como memória, enquanto a mesma Andula conta sua história para uma amiga, ou uma irmã, à cama.
Pedro viveu menos, mas nem tento. Com a pintura de uma mulher nua, refugia-se na floresta. Ao lado da amiga Asa (Pavla Martinkova), fica ainda mais jovem, o adolescente bobo atrás de qualquer coisa que lhe permita a descoberta amorosa ou sexual, sem que precise se explicar e, como Andula, sem que deixe de ser levado a sério por isso.
Enquanto a amiga quer dançar, Pedro corre ao bar, aos copos de limonada. Deixa o caminho aberto para que outros a conquistem. Nada pode fazer. No caso da menina loira, o excesso de conquistadores – ou amores – faz com que colecione histórias para contar enquanto outras meninas dormem. Os protagonistas não terminam diferentes; seguem desajeitados, curiosos e, até o ponto em que a compreensão penetra, frustrados.
(Cerný Petr, Milos Forman, 1964)
(Lásky jedné plavovlásky, Milos Forman, 1965)
Notas:
Pedro, o Negro: ★★★★☆
Os Amores de uma Loira: ★★★★☆
SOBRE O AUTOR:
Rafael Amaral é crítico de cinema e jornalista (conheça seu trabalho)
Imagem do cabeçalho: Os Amores de uma Loira
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