As Pontes de Madison, de Clint Eastwood

A mulher caminha ao interior da ponte fechada, ao escuro, e por vezes observa o amante através dos vãos da madeira ao lado. As tábuas que faltam dão ideia do esquecimento daquele local. São marcas, entre tantas, que ajudam a compreender As Pontes de Madison, de Clint Eastwood. Para a mulher, duas vezes, o amante estará do outro lado da ponte.

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Na primeira travessia ele oferece flores. Na segunda, tira algumas fotos dela. A travessia explica o filme todo, a história de uma mulher casada que precisa olhar a si mesma enquanto percorre um momento único em sua vida, entre a escuridão, sob feixes de luz, poucos, que ainda lhe indicam esperança. Ela acaba de se apaixonar por outro homem.

Francesca Johnson (Meryl Streep) viveu à sombra da família, esquecida, no meio do nada. Certo dia, em sua propriedade, aparece o fotógrafo Robert Kincaid (Eastwood). Está em busca de informações sobre algumas pontes próximas àquele local, foco de seu próximo trabalho para a revista National Geographic. Enquanto ele sai em busca da ponte física, real, palpável e enquadrada pela câmera, a ela fica uma ponte mais difícil para atravessar.

Atravessá-la por completo é encontrar o amante, é sair de sua vida “pequena” naquela região distante de homens como Kincaid. Significa deixar o marido e os filhos para trás. A travessia de Francesca inclui ao lado, ou às sombras, toda a sociedade que passará a julgá-la, povo implacável que não aceita o pecado dos outros e adora uma fofoca.

O fim é conhecido no início: Francesca não ficará com Kincaid. Caso ficasse, os filhos não estariam, mais tarde, lendo os três livros que compõem seu diário, sobre os dias que passou ao lado do visitante charmoso, belo, silencioso, cheio de histórias do mundo, sobre os continentes que atravessou – provavelmente os mais felizes de sua vida.

A redescoberta da paixão vem seguida pelo deslumbramento com as pequenas coisas, com o toque, com os instantes aos braços do novo e desejável estranho, enquanto ouvem uma música romântica no rádio, à meia luz, na casa dela. Eastwood não tem pressa: capta, com fusão de imagens, uma sobre a outra, a dança de Francesca e Kincaid. As fusões dão a impressão de um tempo parado, sonho para sonhar a dois.

Boa parte do tempo eles estão na casa dela. Em outras passagens, vão à ponte, durante o dia, ou a um bosque, a passeio, ou ainda a um local em que não serão reconhecidos pela sociedade branca cheia de veneno e hipocrisia: um bar negro no qual ouvem jazz. São os anos 60. Fervor cultural de um lado e, de outro, a América que insiste em sua faceta pacata, suas lanchonetes de senhores e senhoras para tomar um bom café.

Quando a separação é evidente, a estourar a qualquer momento, a briga irrompe: ele, a certa altura, diz que não pode ter ela. “Que diferença faz?”, retruca a mulher. A pergunta pode servir – e servirá – a outros momentos, a cortar os diálogos, como se ela dissesse que está condenada a ficar, como se a companhia do visitante fosse passageira.

Nem sempre o romance demole os papéis sociais. Eastwood, a partir do roteiro de Richard LaGravenese, da obra de Robert James Waller, é realista: amor como aquele existe para durar pouco, dias, não mais do que isso, e existe para servir à forma de um diário, ou de um romance, para sofrer o filtro da palavra, lida por outros.

Não significa que tenha sido diferente. Este é, sobretudo, o olhar de Francesca, mulher que, à noite, sozinha na varanda de sua casa, abre o roupão para deixar o vento colidir com seu corpo, para se refrescar. Abre-se ali aos ventos da mudança, àquele que, do horizonte, ao fim da estrada de terra, chega para tomá-la nos braços, convidá-la para fugir.

(The Bridges of Madison County, Clint Eastwood, 1995)

Nota: ★★★★☆

Veja também:
A Filha de Ryan, de David Lean

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