Eu não sou um profissional de cinema, eu detesto essa palavra, profissional de cinema. Eu sou um militante de cinema, eu faço cinema 24 horas por dia, eu não sou uma pessoa que estou aí somente para pegar uma câmera e fazer um filme profissionalmente bem feito, enfim, eu odeio essa expressão “profissional de cinema”.
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(…) eu não sou gênio nenhum, eu sou mais um cineasta brasileiro como tantos outros, que estão aí tentando inventar esse troço, que ainda não existe, que se chama cinema brasileiro, que é uma luta de um século, isso aí desde 1895 que se filma no Brasil. E a história do cinema… acabou de sair, eu aconselho a todos a comprar, Introdução ao cinema brasileiro, que é uma reedição de um velho livro de Alex Viany [nome usado por Almiro Viviani Fialho (1918-1992), cineasta, produtor, roteirista, ator e jornalista carioca]. É bom ler porque é um melodrama, é para ler às lágrimas, você acaba aquele livro às lágrimas, porque parece uma história que não se acaba nunca, e que se repete permanentemente. Então, eu sou somente mais um desses cineastas. Sou um dos bons, porque eu acho que o cinema não é corrida de cavalo, nem campeonato de futebol, que só um ganha. Existem os bons e os maus cineastas, eu sou um dos bons, eu tenho consciência disso. Agora, quanto aos filmes, tem belíssimos filmes que eu gostaria de ter feito. Eu sou um cinéfilo, eu vou… eu vou ao cinema, eu vejo pelo menos um filme por dia, ou em cinema, ou em vídeo-cassete ou na televisão. Eu adoro cinema, eu faço cinema porque eu gosto de cinema…
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Eu acho que sou privilegiado, porque eu vivi num período da história da humanidade, neste século, que nunca mais vai ser reproduzido. Realmente um período, apesar de tudo que aconteceu no Brasil, depois de 1968 [referência à ditadura militar], que a gente sabe. Mas, foi um período da humanidade em que as pessoas realmente acreditaram que essa coisa chamada Homem ia dar certo. E eu não vejo muita gente acreditando mais, não.
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Deus me livre dos meus filmes serem carta para o futuro, eu quero fazer filme para o presente, eu quero testemunhar o espírito presente, e tento fazer isso de uma maneira pessoal, me empenhar nisso da maneira pessoal. Eu faço meus filmes com o mesmo entusiasmo de um primeiro filme e a mesma agonia de um último, que eu não sei se vou fazer um outro depois, entendeu?
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(…) eu adoro fazer cinema. Eu não gosto nem de falar muito porque se eu disser o quanto é bom cinema, todo mundo vai querer fazer [risos], e não vai ter lugar. Eu acho cinema um prazer enorme e eu gosto de rigorosamente tudo. O que eu estou fazendo aqui agora é fazer cinema. Eu me considero… é como eu te disse, eu não sou um profissional de cinema, eu sou um militante de cinema. (…) Eu aprendi a montar com o Ruy Guerra, quer dizer, a minha primeira profissão, o meu primeiro dinheirinho que eu recebi em cinema, foi como assistente de montagem do Ruy Guerra. Então, eu adoro montar, fui montador, montei o famoso O circo [documentário de 1966, no qual o cineasta acompanha um grupo de saltimbancos e sua caravana pelos subúrbios do Rio de Janeiro], o filme do [Arnaldo] Jabor, documentário que foi premiado várias vezes. O primeiro filme que ele fez foi eu que montei, entendeu? Como montei várias outras coisas. Que mais? O roteiro, eu adoro escrever, mesmo que de vez em quando digam que fui eu que tomei dos outros [risos]. Eu passei os meus dez filmes, os três programas de televisão que eu fiz, os curta metragens, todos eu trabalhei nos roteiros, sem nunca ninguém ter reclamado. Que mais? Filmar é um prazer, eu adoro fazer cinema, quer dizer, se o cinema não existisse, eu não sei o que seria, eu não sei o que eu faria no mundo.
Carlos Diegues, cineasta, em entrevista ao programa Roda Viva (28 de setembro de 1987; leia aqui a transcrição completa da entrevista).
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