Cada personagem de A Escolha de Sofia tem razões para sofrer. São pessoas que fogem do passado, que encontram formas para se desviar dele, tentar esquecer. Buscam conforto no outro, na intimidade trocada em salas fechadas. A maior parte do filme passa-se no interior destas. Os diálogos são fortes. As palavras machucam.
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Ali, brigam e se entendem, vão e voltam. Tudo à base da inconstância, da dificuldade de confissão, do desejo nem sempre assumido. Com direção de Alan J. Pakula, o filme não chega a ser libertário; suas personagens têm dívidas com o passado e, por isso, estão travadas, fundidas à culpa.
Naquelas mesmas salas, em uma pensão de Nova York, Stingo (Peter MacNicol) conhece Sophie (Meryl Streep) e Nathan (Kevin Kline). O casal vive entre rompimentos e retornos, aos gritos, ao som do sexo e do movimento que faz tremer o lustre do quarto do novo morador.
Não demora e se tornam amigos: saem juntos, bebem juntos, deitam-se na mesma rede para trocar carícias. Têm suas diferenças: Sophie tenta esquecer o passado, talvez ser outra; Stingo busca uma nova vida na grande metrópole, como escritor vindo do sul; Nathan, entre violência e camaradagem, revela-se esquizofrênico.
Sophie, sobrevivente dos campos de concentração, polonesa de passado triste, encontra no pós-guerra dois homens opostos. De Nathan nada é possível prever, pois sempre se mostra diferente. Do outro vem algo acabado, o homem bondoso, virgem, alguém cujas perfeições dão lugar a algo nem sempre agradável ou atraente.
Pakula adapta o livro de William Styron e tenta justificar, a partir da loucura de um e da sanidade de outro, por que sua dama ao centro opta por inconstância e rudeza – por que precisa mais de Nathan do que de Stingo.
Eis a questão central: são necessárias doses de loucura para que a sobrevivente do Holocausto continue vivendo nessa terra de supostas oportunidades, na grande América de pontes gigantescas que anunciam, ao mesmo tempo, o progresso e o aprisionamento de seus viventes.
Tão importantes quanto o passado de Sophie, as histórias que envolvem as escolhas que sempre a levam ao inferno, são as relações com os dois homens do presente – o que não deixa de levá-la à escolha final. A escolha, por sua vez, é o que resta a esses seres desprovidos do essencial que nem sempre se põe aos olhos.
Sophie é a mãe que teve de optar, de viver o pior dos pesadelos dos campos de concentração, para entender sua alienação aos outros, a enganação dessa História (com maiúscula) que a corta, que a fere. A mãe que foge do passado para se tornar amante, para viver o instante com dois homens e suas diferentes representações.
Pakula articula passado e presente. Com fotografia de Néstor Almendros, faz do passado a pintura esquecida, desbotada, como se a maleficia estivesse se desfazendo. O presente inclui o Nathan gritão, homem ao modo de Hemingway, ou como o polaco de Brando em Uma Rua Chamada Pecado.
Apenas para Stingo ela será capaz de contar os detalhes do passado: os dias em que serviu ao chefe nazista no mesmo campo de concentração, ou os momentos em que passou ao lado da filha pequena desse mesmo líder. Sua sobrevivência dá-se nessas relações em espaços fechados, e o filme é sobre essa curiosa intimidade.
A personagem de Streep sofre por ter resistido. Vive o prazer de novos dias com um homem que se transforma em vários, talvez para esquecer o mal dos alemães em roupas impecáveis, polidos e bárbaros. Estampa a tragédia. Encara o público para confidenciar seus piores pesadelos: suas lembranças.
(Sophie’s Choice, de Alan J. Pakula, 1982)
Nota: ★★★★☆
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