O Escândalo, de Jay Roach

O presidente americano Donald Trump figura ao fundo. No início, parece ter mais protagonismo à medida que apenas reproduz o que vem depois, nas entranhas do poder: é o homem branco, velho, cheio de munição e disposto a perseguir todos e todas no Twitter. Sua vítima da vez ousou confrontá-lo: é âncora Megyn Kelly (Charlize Theron).

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Abre com Trump, passa por Roger Ailes e chega a Rupert Murdoch. O Escândalo, por isso, não fala apenas de homens que abusaram de mulheres, tampouco precisa pairar o tempo todo sobre esses casos. O que realmente interessa a Jay Roach, com roteiro de Charles Randolph, é apresentar o universo de dominação masculina no império das falsidades, às vezes o entretenimento vestido de seriedade, justamente a televisão.

Império, não por acaso, imposto em tons escuros a penetrar o colorido dos vestidos femininos – de preferência expondo as pernas dessas belas mulheres. Muitas, sabe-se ao longo da história, tiveram de passar pelo teste do sofá com Ailes (John Lithgow), o todo poderoso homem de Murdoch então à frente do canal Fox News.

O castelo de Ailes em momentos soa até amigável: nesse espaço de sofás e conversas à pouca luz, nem sempre monta o palco ao ataque. Faz-se a personagem do senhor conselheiro, a falar de política, inclusive elogiando Kelly em sua investida contra Trump em debate televisionado. Mais que político, Ailes faz-se o rei de suas “meninas”, o velho homem sem noção do ridículo a quem as novatas, sobretudo, devem atender.

A partir de Trump, fantasma sempre à cena, O Escândalo quer tocar a política. À época retratada, mais que a possibilidade de ascensão de um radical ao posto de homem mais poderoso do planeta, estava em curso a disputa entre um homem e uma mulher, um republicano e uma democrata. O simbolismo logo é sentido nesse filme sobre o predador que dá as cartas dentro e fora de sua sala, o repugnante ainda no controle.

As três mulheres ao centro são lados diferentes do problema. Kelly é a mais forte, até certa altura mais preocupada com Trump do que com Ailes e a quem cabe unir as pontas quando os casos de assédio ganham a mídia.

Mas é Gretchen Carlson (Nicole Kidman) quem estoura a bomba, depois de ser demitida. A apresentadora, diferente da outra, é menos equilibrada, dondoca conservadora de arroubos liberais que não se verga ao discurso do homem à frente. Há ainda a bela funcionária de baixo (Margot Robbie), linda mas religiosa demais àquele meio de meninas espertas. A ela, Ailes dá a senha: sobreviver ali significa diminuir as saias, ou elevá-las.

A bomba faz do império a notícia. Fogo em linha oposta: as armas de Ailes são utilizadas agora para derrubá-lo. As mulheres aos poucos se erguem. Gretchen dá o tiro inicial; a pensativa Kelly – a alma do filme, justamente a mais centrada, aparentemente imparcial – leva a luta à frente; resta a Kayla (Robbie) “cair na real” e percebeu onde se meteu.

À queda do poderoso – um Jabba the Hutt dos bastidores do espetáculo – segue a mudança do poder. A Ailes impõe-se algo maior, ainda mais enrugado, o Rupert Murdoch de Malcolm McDowell. As rédeas da emissora estão outra vez nas mãos do homem branco, cujo discurso não deixa esperança à “millennial evangélica” Kayla. O monstro que descobre não está em galáxia distante, mas a alguns andares, no mesmo prédio.

(Bombshell, Jay Roach, 2019)

Nota: ★★★☆☆

Veja também:
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