Em 1998, Michael Cimino esteve no Brasil. O diretor de O Franco-Atirador e O Portal do Paraíso visitava locações para um filme nunca realizado, Brasil 1500, sobre o descobrimento do país pelos portugueses. Na ocasião, ele concedeu uma entrevista ao escritor e jornalista João Silvério Trevisan.
Para mim, os três grandes diretores são Luchino Visconti, Akira Kurosawa e John Ford. A meu ver, atualmente, não existe ninguém que se compare a eles: a virtuosidade técnica de Kurosawa, ou a força intelectual e a paixão de Visconti, ou a profundidade emotiva diante de um lugar que há nos filmes de Ford. Eles foram pioneiros: abriram portas para nós, mostraram o caminho. O mais importante é que os três fizeram algo raramente visto nos filmes atuais: tiveram a habilidade de invocar o espírito de um lugar, a substância da imagem. Para eles, uma locação nunca era um pano de fundo colocado atrás de duas pessoas falando. O lugar era mais um personagem. Tanto quanto os atores, tinha personalidade e força próprias. (…) Um filme não deve ter apenas personagens memoráveis, mas também levar você numa viagem memorável, para experimentar outros lugares. E você viaja com os personagens nesse espaço. Visconti, Kurosawa e Ford têm a habilidade de demolir o plano bidimensional da tela. Muitos filmes, quando projetados numa parede, continuam planos: cheios de cor, pessoas falando, coisas se movendo, mas você sabe que está olhando para uma tela plana. Visconti, Kurosawa e Ford tiveram a habilidade de penetrar nesse espaço plano, da mesma forma que os grandes coreógrafos ocupam o espaço com os bailarinos. Eles foram grandes coreógrafos. Assim que seus filmes começam, o plano bidimensional desaparece. De repente a gente se encontra num espaço de 360 graus. Não está olhando para ele: faz parte dele. Essa é a grande diferença entre assistir a um filme e fazer parte dele: aí está o verdadeiro talento.
Michael Cimino, cineasta, na revista Bravo! (janeiro de 1999; pgs. 31 e 32). Acima, John Ford; abaixo, Luchino Visconti nas filmagens de Rocco e Seus Irmãos e Akira Kurosawa nas de Kagemusha, a Sombra de um Samurai.
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