O ministro dos Transportes não para um segundo sequer: seu cotidiano inclui andanças de carro, celular ligado o dia todo, discursos nas mãos de assessores e algumas tragédias com as quais terá de lidar. Talvez ainda acredite, ao longo de O Exercício do Poder, na política como razão de vida, não como jogo.
Curta nossa página no Facebook e siga nosso canal no YouTube
A certa altura, ao ser pressionado sobre a possível privatização de terminais de trem, na França, ele é enfático: “Não serei o homem das privatizações”.
No poder há sempre jeito para tudo. Algo precisa mudar para que tudo continue o mesmo. O poder, diz o diretor Pierre Schoeller, resume-se à sequência inicial, ao pesadelo do ministro e protagonista, Bertrand Saint-Jean (Olivier Gourmet): uma bela mulher nua insinua-se ao crocodilo de garras abertas, pronto para engoli-la. Ao lado, inquisidores vestem preto e conduzem o ritual.
A política é o gesto de liberdade contra o monstro do Estado (grande, pesado, horrendo), enquanto é manobrada pelo verdadeiro mal – ao fundo, quase nos bastidores, perpetram-se os homens de preto. Como previsto, a representação da liberdade deixar-se-á engolir pela fera: o ministro, ao ser avisado de que as estações serão privatizadas, terá de concordar com a opção do presidente.
O ministro acorda de seu sono no meio da noite. O telefone toca. Ele é avisado de um acidente de ônibus com crianças. Algo terrível. Veste o terno e, sempre com a mesma assessora, vai ao local do fato, para ver o sangue sobre a neve, sua obrigação. Ora ou outra terá de descer do carro para vomitar, engasga, e não pode domar seus sentimentos e impressões – como o pesadelo que o consome por dentro, como se a verdade fosse posta agora de outra forma. Na igreja, seu discurso não passa de sussurro.
O poder contém fraquezas, manobras, verbos intermináveis, gestos de bondade e falas programadas. Agendas cheias em carros em alta velocidade, com um ministro que tenta, em vão, encarar a multidão nervosa. Ao fim, descobre ser alguém não para entrar para a História como um homem combativo, um guerreiro, mas como remédio para um presidente: mais que fazer História, estará posicionado para recuperar cinco pontos que a Administração prevê perder com as privatizações.
O homem que no fundo nada pode mudar está apenas atrás desses números, a fazer algo grande do ponto de vista estratégico, pequeno demais para alguém que almeja ser lembrado, cujos desejos estão acima do dinheiro. É alguém solitário, a certa altura na casa de seu novo motorista, Martin Kuypers (Sylvain Deblé).
Ao contrário do ministro, o funcionário não almeja nada senão a vida comum, com a casa a terminar, uma mulher falante. Schoeller, também autor do roteiro, oferece o outro lado: em um meio de manobras políticas e velocidade, alguém não quer nada além do trabalho, da vida moldada a pequenos instantes, com olhos de tristeza e indiferença – por isso mesmo, segundo a impressão do protagonista, alguém com valor real.
O acidente na nova estrada, utilizada pelo ministro para chegar mais rápido em seu compromisso, é um exemplo corriqueiro de abuso de poder. Com sangue no rosto, Bertrand recebe mais um sinal de sua fragilidade e certamente se questiona sobre quem deve viver e quem deve morrer.
(L’exercice de l’État, Pierre Schoeller, 2011)
Nota: ★★★★☆
Veja também:
Guerra Fria, de Pawel Pawlikowski