As peças de roupa dizem muito sobre as intenções sexuais: o protagonista, interpretado por Gary Cooper, abre o filme tentando comprar a peça superior de um pijama, em uma chique loja francesa, e termina na camisa de força, em uma instituição psiquiátrica. Primeiro a leveza, o convite à intimidade; depois a repressão, a loucura.
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A forma como os roteiristas Billy Wilder e Charles Brackett apresentam o sexo – ou o ocultam – é, no mínimo, genial. É o que move A Oitava Esposa de Barba-Azul, de Ernst Lubitsch, sobre um ricaço em seu oitavo casamento, impedido de fazer sexo com a nova esposa, antes uma menina esperta de recursos limitados.
O texto, acrescido pelo bom controle de Lubitsch, reserva aos seus protagonistas a incerteza, ou a aparência de nunca vestirem por completo a carapuça que lhes serve: ele será sempre o rapaz mimado, que compra o mundo como compra um brinquedo; ela nunca será a aproveitadora e, no fundo, guarda sentimentos verdadeiros.
O filme joga com um engraçado reino de falsidades no qual tudo parece dito, escancarado, quando o principal – o desejo sexual e sua consumação – não é explicitado. É o drible de Wilder e Brackett que garante a rigidez, a brincadeira de uma obra inteira sobre certa proibição. Por consequência nasce um filme sobre a censura.
Todo o desenrolar dá-se a partir do pijama dividido. O rico americano Michael Brandon (Cooper) quer apenas a parte superior das vestes e diz ter direito a ela; em seu caminho, por acaso, a francesinha Nicole De Loiselle (Claudette Colbert) precisa da parte inferior. Antes que ela chegue à cena, Brandon sofre algum cansaço.
Os atendentes afeminados da loja, na Riviera Francesa, nunca venderam só uma peça do pijama. Para tanto, precisam de autorização. Ao telefone, pedem para acordar o dono da loja, que atende a ligação usando só a parte superior de seu pijama e considera um absurdo fatiar o produto – o que, segundo ele, configuraria comunismo.
Em poucas linhas, o roteiro deixa clara a aproximação do sexo ao poder, da distância entre costumes empresariais e privados. Evidente que a soviética sem coração dobrar-se-ia ao champanhe na obra posterior de Lubitsch, Ninotchka, e que os homens vestem apenas a parte superior do pijama para dormir, ainda que não possam vendê-la separada.
Em destaque, figuras pomposas da alta sociedade alimentam-se das aparências – além daquelas que se servem às bordas, como a personagem de Edward Everett Horton, pai de Nicole, desesperada para que a moça melhore a situação da família e se case com Brandon.
O homem mais velho está falido e deve algumas diárias ao hotel no qual se hospedou. Para escapar, vende – antes da filha – uma banheira histórica, que teria sido de um rei, ao americano endinheirado. A peça rara quebra, o que não impede que Brandon, com alguma dificuldade, consiga se casar com a mulher que ama, justamente Nicole.
O que vem depois, na convivência diária, é para o marido um inferno: a distância entre seus quartos, através de um corredor, será apresentada em diferentes momentos por Lubitsch. O caminho de um lado para outro faz parte do ritual de graça, a marcha do homem que explode com seus hormônios em direção à mulher que o nega.
Em A Oitava Esposa de Barba-Azul, o dinheiro não vale nada, o amor é uma consequência e é o sexo que faz a roda girar. A comédia depende da malícia. Está no início, no pijama fatiado, na imaginação que leva ao encontro das duas peças desunidas, cada uma com um dos amantes. Sem o sexo, sabe-se, sobra apenas a camisa de força.
(Bluebeard’s Eighth Wife, Ernst Lubitsch, 1938)
Nota: ★★★★☆
Veja também:
Sócios no Amor, de Ernst Lubitsch