Henry: Retrato de um Assassino, de John McNaughton

Tinha tudo para ser apelativo e desprezível. São as pequenas escolhas que fazem de Henry: Retrato de um Assassino um grande filme, ainda a nos assombrar.

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Há, primeiro, a opção de não mostrar Henry (Michael Rooker) matando suas vítimas, as várias mulheres que surgem à tela, no início, enquanto o protagonista apenas se locomove da lanchonete para a rua, enquanto escolhe novas mulheres para matar. A montagem dá a indicação: fica claro para nós que é ele o autor desses crimes.

Um grande vilão não é apenas proliferador do mal. Antes, é sua própria personificação, em algum ponto sua banalidade. Henry, em sua forma boçal, com seu possível analfabetismo (ele não consegue ler o que está escrito na camiseta da garota com quem passa a viver), é a própria natureza do mal, ser humano em seu estado mais vil.

Não pretende se explicar, e não sabe ao certo como matou a mãe. Seu companheiro de casa, o traficante Otis (Tom Towles), diz que ele teria matado a mãe com um taco de beisebol. À irmã do companheiro, Becky (Tracy Arnold), diz que a esfaqueou, para depois mudar a versão: teria matado a mãe a tiros. Nem ele sabe o desfecho.

Henry é o protagonista impensável, desorientado, sem um “objetivo”. É capaz de tudo, o que o torna mais assustador. Sabemos que mata por muito pouco, mas o filme não quer ser a típica história de crimes premeditados, de pulsação sexual, de closes explosivos – contada tantas vezes. É, em algum sentido, um “terror realista”.

O que, por consequência, torna-o objeto estranho à cinefilia. Filme difícil de qualificar, com a morte colocada em planos em conjunto ou em planos médios, com coadjuvantes que, intoxicados pela personagem-título, produzem algo tão ruim quanto Henry.

Em seu caminho, o impensável: uma garota perdida, solitária, longe da filha pequena, do marido que não deseja, a menina que muda de cidade e termina justamente no apartamento sujo, de paredes descascando, no qual o irmão, o já citado Otis, vive com Henry. Os homens conheceram-se na prisão. Otis, com Henry, libera sua vontade de matar.

Becky, no caminho do serial killer, torna-se uma possibilidade de relacionamento, ao mesmo tempo um problema. Quando ambos escapam ao quarto dela, certa noite, após jantarem fora, o protagonista não consegue dar continuidade ao sexo. Não sabe lidar com as mulheres quando deve apenas lhes proporcionar companhia e prazer.

A menina loura busca uma vida honesta, outra vida. Busca emprego em Chicago, a cidade pela qual Henry – depois na companhia de Otis – circula com seu carro velho de laterais deterioradas. O filme todo carrega um aspecto putrificado, a forma corroída espelhada nas imprecisas expressões de Henry, no congelamento da dor das mulheres mortas.

Em diálogo revelador, Becky diz ao assassino em série que sente que o conhece – antes de tocar sua mão, no momento em que deixa ver o início de seus sentimentos. “Como se eu te conhecesse há muito tempo”, declara ela, estuprada pelo pai na infância e que, a exemplo do irmão, talvez tenha um “Henry” guardado em seu interior.

Na companhia do protagonista, Otis envolve-se na morte de duas prostitutas, depois na de um vendedor de eletrônicos desbocado, mais tarde na de um motorista inocente. Pouco a pouco, encontra prazer em matar. No longa de John McNaughton, esse prazer é reproduzido em imagens de vídeo. Henry e Otis fazem filmes brutais.

As gravações permitem que vejamos não apenas a necessidade de matar. Elas integram-se, sobretudo, ao voyeurismo mórbido, à espetacularização do mal. As imagens granuladas levam ao banal aparente, à diversão passageira – por isso, são ainda mais assustadoras. Por elas, na televisão dos assassinos, a morte soa fácil.

(Henry: Portrait of a Serial Killer, John McNaughton, 1986)

Nota: ★★★★☆

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