Os donos da casa grande não conhecem seus criados. Ou conhecem o suficiente para acreditar em suas funções e papéis. Terminam confortados, em uma relação às vezes estranha e que dá base a O Diário de Uma Camareira.
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O cineastas Benoît Jacquot volta à história de Octave Mirbeau, sobre passagens da vida da camareira Célestine – vivida por Léa Seydoux, em papel que já foi de Jeanne Moreau. Se na versão de Luis Buñuel, de 1964, havia dureza na personagem feminina central, Jacquot permite ver fragilidade e sentimentos em Seydoux.
Célestine leva o espectador à confissão da camareira. Seu diário inclui histórias passadas, erotismo, graça e tragédia, à tona quando ela enfrenta uma nova experiência de trabalho, em uma casa de campo distante de Paris.
Os outros, de longe, logo julgam a moça parisiense – talvez sofisticada, talvez fácil. Mas Célestine segura-se como pode em sua personagem: a camareira que deve recusar o patrão enquanto tira suas botas, ou a camareira que fala alto – apenas ao espectador – sem se deixar ouvir.
Sua confissão oral gera o questionamento dos outros, que acreditam ter ouvido sua queixa. Apesar de falar mal da patroa, logo nega, diz que nada falou. E os donos da casa continuam assim, com pouco sobre a moça ou outros criados.
Os espaços paralelos logo se tocam pela ótica de Jacquot, que faz pensar no jogo ou na lágrima de Célestine. Quem conhece a filmografia do diretor sabe o peso das lágrimas, como em Escola da Carne, de outra época e também sobre relação de classes.
Na grande casa, Célestine conhece o estranho e quieto Joseph (Vincent Lindon). Forte, mais velho e aparentemente fiel aos patrões, pouco fala na presença dos outros. Trabalha e comanda os cães treinados para atacar. Acima de qualquer suspeita, é um antissemita que fala do desejo de matar judeus – visto por Célestine como o possível assassino de uma menina, a certa altura, violentada na floresta.
Por algum motivo difícil de entender, ele atrai a nova camareira feita de juventude e vida adulta. Seydoux carrega essa característica: quando sofre com morte da mãe, parece mais jovem, adolescente acossada; quando se entrega aos homens, mostra-se mais adulta do que se pode imaginar.
Não dá para saber exatamente o que a move. Os românticos talvez vejam influências da própria classe alta. Nesse sentido, os criados adotam o cinismo dos patrões, o desejo de poder, de interpretar um papel. Achar os criados sempre influenciáveis e vítimas do chefe é ingênuo. Há dois lados em jogo: aqueles que se debruçam e creem na própria inferioridade e aqueles que desejam mais, calculistas e fingidos.
Para Jacquot, interessa menos se lançar à classe alta, aos patrões. A partir de Mirbeau, o cineasta oferece a dama em trânsito por dois mundos, à base de outras personagens, que fala alto para ser ouvida apenas por alguns.
(Journal d’une femme de chambre, Benoît Jacquot, 2015)
Nota: ★★★★☆
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