A missão da professora Jean Brodie é inspirar suas alunas. Em aula, forma um grupo fiel para cercá-la e segui-la para além dos muros de sua escola conservadora. Enquanto a maior parte veste branco, preto ou cinza, a professora aposta no vermelho; enquanto outros preferem distância, ela arrisca revelar amores e histórias passadas às pupilas.
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A relação ultrapassa limites e, como se imagina, não terminará bem em A Primavera de uma Solteirona, de Ronald Neame. Sua protagonista é irritante boa parte do tempo, à base de uma interpretação constante, a falar o quanto as alunas, as inspiradas, serão o “crème de la crème”, seres diferentes, figuras destinadas a conquistar o mundo.
O problema é que os ensinamentos de Jean (Maggie Smith) fazem dessa necessidade de conquista algo perigoso: nos anos 1930 em que a história corre, ela cita a “grandeza” de ditadores como Mussolini e Franco, lembra do soldado que a amou e tombou em campo de batalha. Para ela, o feito nobre está sempre aliado à paixão, ao poder de conquistar corações e mentes, arrebanhar pessoas, ir à luta.
As ideias de Jean às vezes soam sedutoras, às vezes repulsivas. O material de Neame lida o tempo todo com a dubiedade, a partir da personagem que se deixa entender quando se vê em perigo ou perto de cair nos braços do homem que a ama, o pintor ao qual, em nome de sua missão como professora, nunca poderá se render. Sonha com o futuro brilhante das alunas ou, mais provável, apenas projeta nelas desejos não alcançados.
Nada há no horizonte além do trabalho, da possibilidade de se colocar ao alto e dizer às outras, meninas influenciadas, o que fazer, como agir e por que é importante se entregar à vida com intensidade – ainda que o mundo real não seja como nas histórias dessa mulher que talvez nunca tenha saído de sua cidade, talvez a verdadeira provinciana.
Não se sabe quando fala a verdade ou quando mente. O quanto suas lágrimas realmente se devem às lembranças ligadas às fotos que, a certa altura, mostra às estudantes, de lugares que teria visitado na Itália. A vida de Jean começa e termina na escola, com as meninas, sem que seja possível assistí-la longe da personagem que criou a si mesma.
Às alunas, louva a bondade, a verdade e a beleza, que, argumenta a educadora, vêm antes da segurança. Poderia soar belo não fosse falso: para alguém como Jean, presa à sua sala, àqueles olhos jovens e abertos às novidades, é fácil falar da guerra quando a mesma está a quilômetros de distância. Em seus apontamentos, a imponência sedutora de um Mussolini ou um Franco faz carrascos parecerem heróis e salvadores do povo.
Quer dizer: é fácil influenciar alguém a se filiar a alguma guerra ou conflito quando se vive de discursos e ilusão. Aos jovens apaixonados, agarrar-se à aventura – nesse mundo entre guerras, não totalmente contaminado pelo cinismo – é a única saída possível. É justamente o que faz uma das alunas, que morre ao ir à Espanha em guerra civil.
Jean não chega a ser uma vilã. Entre mulher forte e falsa, pode ser as duas. Não uma personagem para qualquer atriz. Smith sabe como subir o tom, como dissimular, como se agarrar ao desespero enquanto se deixa enrijecer e, pouco depois, desabar, para em seguida tecer sua acusação à aluna que revelou seus métodos à direção da escola.
Ao confrontar sua superiora (Celia Johnson), que pede sua carta de demissão, mostra o quanto é apegada ao que crê ser seu destino, o quanto ser professora é-lhe importante. Diz ter orgulho de influenciar as alunas. “Eu as influencio para que estejam cientes de todas as possibilidades da vida, de beleza, honra, coragem.”
Em uma sociedade que teme ousadias e preza pela segurança, alguém como Jean deve ser combatida – o que não faz dela, aqui, uma vítima. De novo, vaga-se pela dubiedade, à força de uma atriz em seus melhores dias. Alguém que não se vê com constância nas telas do cinema e cujas certezas escondem o labirinto no qual está trancada.
(The Prime of Miss Jean Brodie, Ronald Neame, 1969)
Nota: ★★★★☆
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