As Glorias de Sebastián Lelio

A primeira das Glorias de Sebastián Lelio flutua, pouco liga para os outros, apartada do espectador. Com a tamanha naturalidade de Paulina García, é fácil amá-la. Conquista sendo quem é de verdade. Bebe, flerta, canta enquanto dirige, oferece o corpo nu – sem esconder os pelos pubianos – e recai à derrota das personagens cômicas.

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A segunda, interpretada pela competente Julianne Moore, finge liberdade, mas não se liberta nunca: sua estrutura é mais dramática que a da anterior, seu universo é mais ensolarado, suas companhias – família e amante – não combinam com seu aparente descompromisso e com a já citada – e acertada – derrota em roupagem cômica.

Se em Gloria ficam entrega e liberdade, atriz à frente do roteiro, em Gloria Bell vê-se o contrário: ainda que eficiente, Moore está sempre submetida a um texto de detalhes, de relações com figuras que vão embora às vezes sem despedidas, e sem nunca concentrar forças em si mesma a ponto de se despregar. Nem o sexo convence.

Gloria, nos dois casos, é – ou deveria ser – a mulher incomum em uma pequena grande jornada, insatisfeita com o novo amante, nos últimos dias ao lado da filha que vai embora, a ouvir as dores do filho que cria seu neto sozinho, obrigada a devolver um gato que insiste em invadir seu apartamento enquanto o vizinho não para de gritar.

Para esta, Paulina invoca forças estranhas, parece estar drogada: investida de graça, tenta driblar a vida inegavelmente pequena, de encontros com as mesmas pessoas, idas aos mesmos lugares, de possíveis esperanças plantadas em noites de luzes e músicas.

Começa e termina dançando. Nas duas versões, Lelio sobrevoa o grupo, a felicidade dos outros, para então alcançá-la: no balcão do bar, é mais uma, como todos, como se a câmera estivesse à procura de alguém, alguma história. Um filme que carrega sensibilidade mesmo quando sua dama resolve fazer o que não se imagina dela, como dormir à areia após uma noite de bebedeira ou sacar uma arma de paintball para atirar no ex.

Na versão seguinte, Moore reduz-se à mulher em dúvida, largada, feita para sofrer: diferente da Paulina que vive a despeito de todos os problemas (o que, outra vez, justifica a comédia, também o aparente final feliz), Gloria Bell é retida, leva ao público a aparência de alguém que se esforça para seguir em frente – e ainda dança.

Prova de que roteiros idênticos podem produzir obras opostas: a versão chilena é acertadamente leve, ao passo que a seguinte finge ser isso enquanto deixa notar o peso do drama da mulher madura e suas ciladas.

Na primeira, a atriz vai além do texto, faz o filme serví-la mesmo na presença de outros, mostra o quanto alguém certo no papel certo provoca a diferença. Na outra, a atriz está a serviço do roteiro, não o contrário: ao que parece, Lelio leva a história aos Estados Unidos para trabalhar com a grande Moore, também produtora executiva.

Até o elenco de apoio da versão chilena funciona melhor. Como o amante que não resiste aos telefonemas da ex-mulher e das filhas, e que insiste em desaparecer, Sergio Hernández incomoda em sua gigante normalidade. Fraco, simula paixão e personifica o tipo de homem que, como ele mesmo diz, adora brincar de fazer guerra.

Refere-se aos “meninos” que embarcam nas disputas de paintball em seu parque de diversões. Gloria, em jornada de altos e baixos, descobrirá o quão reveladora é essa observação: as mulheres estão cansadas de homens que ainda brincam com coisas sérias. A tipos assim, oferecerá a mesma tinta que tinge os “meninos” em campo de batalha.

(Idem, Sebastián Lelio, 2013)
(Idem, Sebastián Lelio, 2018)

Notas:
Gloria:
★★★★☆
Gloria Bell: ★★☆☆☆

Veja também:
O Valor de um Homem, de Stéphane Brizé

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