Perseverante, o povo é visto à beira das linhas do trem. Feito de belos rostos, trabalha com a terra, quebra rochas, ajuda a reconstruir o que a Segunda Guerra Mundial, naquele momento, tirava de todos. Em filmes como A Balada do Soldado, retornar às pessoas, à massa, é obrigatório – questão humana, não menos ideológica.
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Os mitos multiplicam-se como coelhos, a luz contra a lente duela com os escombros na sequência em que o menino e a garota param para tomar água na torneira. Uma viagem de descoberta – para casa, para o amor puro. O menino, herói por acidente, é o protagonista do diretor Grigoriy Chukhray, louro e angelical. A ele, resta o céu, como se vê no enquadramento final, sem esconder o esquematismo desse belo filme.
Ao abater dois tanques – sabe-se lá como, talvez por sorte -, ao menino é oferecida uma condecoração. Nessa União Soviética cinematográfica, prefere-se a viagem para casa à medalha de honra: o menino escolhe a estrada, pede alguns dias ao lado da mãe, em vilarejo distante. Precisa voltar à mesma ainda que por instantes.
Seu retorno revela um país, um povo, a luta para escapar do atoleiro que a guerra representa: entre trens e jipes, o soldado Alyosha (Vladimir Ivashov) encontra diferentes pessoas. Uma delas, a garota igualmente angelical, Shura (Zhanna Prokhorenko), revela ser noiva de outro rapaz, o que não evita que o sentimento entre ambos cresça mais e mais.
Há sequências grandiosas, como a da abertura, ou mesmo a da corrida da menina atrás do trem, na estação, sem ser ouvida. Contra seres de aparência pequena, o universo de máquinas e lama expõe seu peso, ou as partes que faltam: o caminhão que atola entre o barro molhado, o soldado amargurado que perdeu uma das pernas.
Nada escapa à percepção do menino, que talvez ainda acredite na bondade dos outros, a quem cada ser ou situação chama a atenção: para guiar o público pela Segunda Guerra, pelos campos e vagões de gente sofrida, Chukhray escolhe o garoto, o que impede o filme de se intoxicar pela maldade, ou pela verdade sobre o lugar, o momento.
A ingenuidade conquista, claro, como no momento em que menino e menina encaram-se ao efeito do vento, à frente da fresta, velocidade ao fundo, como se o tempo pedisse dilatação para que vivessem assim, ao melodrama. A Balada do Soldado conquista com facilidade – a despeito de truques inegáveis, da necessidade política de representar o belo povo que luta junto para que sua nação não morra.
Pois não é um filme de um rapaz. Nele, espelham-se todos, dos pequenos aos maiores, dos que se sujam de fuligem às mulheres que tiveram de ficar em casa, lutar por vilas e cidades, enquanto os homens foram para o front de batalha. O povo é poderoso, belo, forte; o burguês de quem não se vê a cara, que levou para seu apartamento de belos talheres e comida farta a mulher de um soldado, é o covarde que preferiu não lutar.
O jovem protagonista é o herói em formação, em jornada, a quem o caminho, descobrirá, é o único fim possível. Não a chegada, mas a viagem: perto da mãe, sobra-lhe tempo apenas para um abraço rápido, algumas palavras trocadas, para que logo suba na carroceria do caminhão que o espera e retorne à guerra. Para vencê-la.
Em seu Dicionário de Cineastas, Georges Sadoul traz uma declaração de Chukhray: “(…) eu quis falar de meus camaradas, homens da minha idade, que se tornaram soldados ao saírem da escola. Pretendi mostrar que tipo de homem era meu herói. Renunciando a cenas de batalha, busquei um tema que não exaltasse a guerra”. A todos, entrega o paraíso.
(Ballada o soldate, Grigoriy Chukhray, 1959)
Nota: ★★★★☆
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