Sublime Tentação, de William Wyler

A inocência não chega a ser cansativa como em outros clássicos hollywoodianos. Quando o garoto chora pela morte do inimigo sulista, após abatê-lo na Guerra Civil Americana, ou quando a garota corre atrás do amado pela estrada, o exagero é permitido. Por William Wyler, em pleno domínio, o tom eleva-se a favor do bom cinema.

Aproxima-se, em Sublime Tentação, do faroeste – sobretudo quando os homens – um deles um garoto – aceitam tomar armas, contra suas ideias religiosas, para lutar por sua terra, o bem “sagrado” que justifica a adesão à violência. Ao contrário da História de um país, Wyler toca o sentimento, o espírito dessas pessoas.

A religião que aprisiona as pessoas à igreja sem música, o amor da menina que quer ser mulher e não consegue deixar os pés limpos, a dificuldade de lidar com as palavras que escapam, sempre, do menino sardento, a presença do pai que, ao contrário da mãe, entende que é preciso ceder a algumas coisas do mundo, ao “pecado”.

Família perfeita em um mundo imperfeito, no limite do paraíso com algumas correções, com o ganso que persegue o menino sardento e come na mão da mãe, mulher séria, religiosa, um tanto angelical, que, a certa altura, recusa-se a entrar na própria casa quando vê um piano – a música, o som do “pecado” – invadir sua moradia.

Para esse espaço intocado em que o ganso vem pelo riacho e anuncia as estruturas de algodão, o lar feliz em que ninguém deixa abater a própria fé, ou antes a própria convicção, a bondade vem primeiro: para o pai, sobretudo, na face incorrigível de Gary Cooper, no papel de Jess Birdwell, mas que poderia ser um Alvin C. York envelhecido.

No filme de Howard Hawks, de 1941, York serve o Exército como grande atirador, vai para a guerra. Nunca perde a face bondosa, a do homem de boas intenções: ninguém duvida de que Cooper, no fundo, não quer matar. Precisa matar, se necessário, porque em sua guerra existe um lado certo e, a despeito de qualquer coisa, ele nunca será corrompido.

Efeito desse cinema de “perfeição”, ao qual papel equivalente, em Sublime Tentação, cabe ao filho, Josh (Anthony Perkins), às lágrimas enquanto atira com seu rifle nos inimigos sulistas que ousam atravessar o ponto raso de um lago, nas terras do Norte. Chora pela vida, segue com a arma em riste por sua terra, a favor de um templo ainda inquebrável.

Unida na bela casa afastada, ou na igreja, a família viverá, por pouco tempo, sua separação. Ocorre na visita a uma feira de variedades, de gente do mundo, de artistas circenses com demonstrações excêntricas demais àqueles seres religiosos vestidos de preto, fáceis de identificar, tentados a experimentar as delícias da mesma feira. Alguns aceitam o risco: a briga no ringue, o instrumento musical, a dança.

Por algum milagre, os filhos sobrevivem às novidades do mundo externo: o piano e a guerra não os fazem escorregar. A luta para domar a natureza nada tem a ver com desejos ou tentações, aqui limitada, pela batuta clássica de Wyler, à possibilidade de se domar o animal que corre em torno da casa, que não pode ser o banquete do sulista invasor: antes pronto para atacar, o ganso termina comendo na mão do menino sardento.

Momentos curiosos e até deslocados são permitidos, como a viagem de pai e filho e o encontro com uma família composta apenas por mulheres, com três moças sedentas por um belo jovem, qualquer um, que cruze as redondezas. Surge o franzino Josh, pouco para tudo o que se apresenta, sem habilidade e malícia para lidar com tanta entrega. A depender dele, atraído pela guerra, pela violência cada vez mais próxima de sua amada casa, as meninas deverão ficar ali mais tempo, à espera de algo.

(Friendly Persuasion, William Wyler, 1956)

SOBRE O AUTOR:
Rafael Amaral é crítico de cinema e jornalista (conheça seu trabalho)

Nota: ★★★★☆

Veja também:
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