O Valor de um Homem, de Stéphane Brizé

O mercado move o homem moderno, torna-se para muitos uma religião. O protagonista de O Valor de um Homem lutará para não ser dominado e aderir à massa “religiosa”, ao culto, à “oração” evocada por todos, em todos os cantos, como natural – ao mesmo tempo em que, do início ao fim, incorporam frieza.

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O filme permite ver isso várias vezes, não raro em dinâmica sutil. É o caso, por exemplo, da passagem do velório ao espaço do caixa do supermercado. Os locais remetem à mesma mulher, ao efeito e à causa de sua morte, a de uma suicida. O segundo espaço, um supermercado, é também o do protagonista, onde trabalha. Mata-se, pelo local de circulação do produto, qualquer traço de humanismo.

O diretor Stéphane Brizé dá corpo a essa tragédia sempre – ou quase – silenciosa. É construída aos poucos, no mal-estar cotidiano, nos ambientes brancos, na suposta educação de todos que tentam tomar algo do protagonista.

Ele é Thierry Taugourdeau (Vincent Lindon), dono de um jeito bruto, com esposa e um filho com deficiência. Sua jornada por um emprego dá vez à forma sufocante do sistema. A grandeza do filme está no oculto: sente-se o mal a todo instante, mas o que se insinua, trepidante e realista, é a aparência de que tudo corre bem.

Os planos de Brizé dispensam cortes. Não raro o protagonista será visto de costas, justamente porque interessa mais o que se põe à frente, as pessoas que o circundam – das quais pouco se sabe – e o sistema de caixas, prateleiras, ordens, comunicação a distância, câmeras. O trabalho que surge é o de segurança.

Trabalhará em um supermercado. Aprenderá o comportamento dos outros, ou de todos: à imagem digital da câmera em movimento (se movimenta mais que a do cineasta) todos os clientes são suspeitos. Um superior dá-lhe dicas: carregar um produto na mão, por muito tempo, pode ser o indicativo de um crime.

Algumas vezes os criminosos (são vários) terminam em uma sala à parte, branca como quase todos os ambientes. Thierry dá as costas à câmera. Nada de plano e contraplano. Restam, em plano único, as explicações da pessoa levada ao local, interrogada como se estivesse em uma delegacia, na presença de policiais.

O diretor escapa do protagonista enquanto o mantém sempre em cena, nas passagens em do supermercado àquelas em que é visto com a mulher, no dia a dia, como em uma descontraída aula de dança. Não se dá à toa essa contradição: Brizé explica o homem inclusive pelos outros, para ver seu rosto mesmo quando ocultado.

No diálogo da personagem com um possível comprador de sua casa é possível ver as regras – os embates – do sistema: discutem sem parar, um para baixar o valor, outro para mantê-lo. No fim, Thierry percebe que gira em falso: desiste de vender a casa e, no trabalho, desiste de desempenhar o papel do vigilante.

Não se trata de absolver criminosos. A questão abordada por Brizé é outra: encaminhadas à sala dos fundos, as pessoas são obrigadas a assinar termos (se clientes) para depois pagar pelo produto e levá-lo embora. Questão financeira, não ética.

O homem ao centro tem sempre de se ajustar às exigências desse mercado. Outra contradição acertada: o tamanho do todo, ainda que indefinido, é medido pela parte. Tem de servi-lo para além dos traços pessoais. Sua recusa dispensa o verbo: apenas caminha, a passos firmes, para deixar clara sua negação, e sua vitória.

(La loi du marche, Stéphane Brizé, 2015)

Nota: ★★★★☆

Veja também:
Todo o Dinheiro do Mundo, de Ridley Scott

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