Ilha dos Cachorros, de Wes Anderson

Os homens em busca do progresso logo dão um jeito de expulsar os cães: não muito longe, em uma ilha, lançam os animais ao amontoado de lixo, radiação e outros seres indesejados. Não estranha, por isso, se Ilha dos Cachorros for compreendido como representação da dificuldade do homem em lidar com seus “animais” – sobretudo os internos.

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Os bichos em questão, em óbvia ironia, são pequenas partes que sobraram de um estado de humanidade – choram mais que os donos, surgem mais vivos e educados (apesar da forma autômata comum às personagens de Wes Anderson), conseguem se adaptar ao lixo sem que precisem recorrer ao canibalismo, além das amostras de fidelidade.

Claro que não se pode tomar o pouco que se vê dos homens – quase sempre escondidos em cargos de poder, atrás de máquinas ou a servir à tradução do japonês – como regra. Estão um pouco distantes, reflexos de uma sociedade aparentemente certinha, que encontra na gripe dos cães a desculpa para expurgar os bichos da cidade.

O mundo de Anderson é quadrado, mais lento que o normal. Sua comédia não oculta fatias de horror, e esta característica, de tão estranha, será assimilada como traço de um autor pouco interessado em fazer um filme apenas para crianças. Detalhes e pequenos diálogos valem mais que a trama vista do alto, a de oprimidos contra opressores.

Os cães não se esforçam para ser adorados e caem na graça do espectador. As personagens de Anderson têm dificuldades para se relacionar, vivem em uma apatia depois convertida em graça, na qual o humano esconde-se atrás de caricaturas plásticas, duras, sendo necessário pensar um pouco mais mesmo quando se parte ao óbvio.

Os cães falam. O garoto que invade a ilha, à procura de seu cão jogado no local, fala japonês. Os cães, por isso, são os guias, seres que não sabem tudo, mas o suficiente; um pouco mais adultos que o normal (ou apenas humanos), fingem seriedade, encaram a câmera com um ar até mesmo fatalista. Quando escorre a lágrima, ou se deixa ver uma cicatriz ou qualquer defeito, percebe-se que Anderson não quer fugir da tragicidade viva ao fundo.

A ilha é o futuro do homem. O cão, seu traço de humanidade. A ilha assemelha-se ao cenário de uma ficção científica distópica, ao passo que a cidade guarda aspectos da sociedade moderna, tecnológica, higienista, produto justamente dos organizados, trabalhadores e evoluídos. Não estranha, desse bolo, o surgimento do tecnocrata.

Entre os cães há os vira-latas e os de raça. Na ilha, todos se misturam sem perder um pouco de suas características. Entendem-se e, com o garoto recém-chegado, unem-se em uma aventura cheia de momentos adoráveis, para se crer, sempre, no lado bom dos animais. Com algum esforço, para se crer também no lado bom dos homens.

(Isle of Dogs, Wes Anderson, 2018)

Nota: ★★★☆☆

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