Nas vielas pobres, na sala escura do interrogatório ou mesmo no programa de televisão, as crianças são perseguidas pelos adultos. Elas tentam escapar, sobreviver, livrar-se dos golpes dos gigantes de cassetete, dos deformados e abusadores, dos criminosos dispostos a aliciar jovens para ganhar dinheiro alto pelas ruas da Índia urbanizada.
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Desde o início de Quem Quer Ser um Milionário?, resta ao protagonista correr, esconder-se e, mais tarde, como trunfo, perceber o quanto a memória ainda compensa. É com ela que Jamal (Dev Patel), o “menino do chá”, passará a responder – e acertar – cada pergunta do programa de televisão que remete ao título brasileiro do filme de Danny Boyle.
Quer ser um conto de fadas moderno, acelerado, sem que se exclua alguma dor – sempre pelo ponto de vista da criança, ou do jovem que insiste em não crescer. A começar pela televisão, esse olhar infantil – fácil, limitado, perseguidor, triste – retornará o filme todo, o do menino que sonha em viver com a garota que ama, por algum tempo sumida.
Ela, a exemplo de Jamal, é deixada à rua após perder os pais. Vaga com o garoto e seu irmão por algum tempo, torna-se prostituta. O mundo adulto sempre atrapalha os planos de Jamal. Para vencê-lo, terá de ir à televisão e jogar. O show – com fundo cruel, realidade que não chega ao telespectador – trata sua audiência justamente como criança. Não estranha, por isso, que se tenha ali um candidato forte a ganhador.
O tom dado pelo cineasta aproxima o filme do videoclipe. Basta se deixar levar, entre cortes abruptos e pessoas que saltam à tela a todo o momento, entre sacadas engraçadas de um apresentador chato e os olhares perdidos do mesmo protagonista, preso ao passado.
Criança, ele guia-se pelo instinto; sua vitória provará não a superioridade da inteligência, mas a da experiência, a da vida em que se colhe um pouco de tudo, em todos os lugares, em todos os cantos. Os descrentes falarão do acaso. Outros, do destino. A televisão alimenta-se de qualquer coisa, sem um foco ou assunto com aprofundamento.
A interpretação racional não cabe à obra de Boyle, que, a partir do roteiro de Simon Beaufoy, da obra de Vikas Swarup, aborda mesmo o impossível, o amor contra o cinismo. Jamal não levanta suspeitas: é plano, bobinho, à espera do desfecho feliz e esquemático que alguém desculpará ao argumentar que se trata apenas de uma fantasia.
Funciona com suas próprias regras. Prende, é verdade, mas sempre à base do entretenimento ralo, sem muito a oferecer senão a velha fórmula do “homem contra a sociedade”, contra uma força dispersa, aqui chamada de “mundo adulto”. Jamal e sua amada preservam-se apesar de tudo. A bondade resiste no cansativo espetáculo de Boyle.
O mais interessante de Quem Quer Ser um Milionário? é a relação do menino com a televisão, reino fechado de luzes e pessoas ao fundo, aos risos, em emoção, enquanto toda uma vida retorna. No centro do estúdio, aos olhos de milhões, o menino passa a ser alguém. Sua história é sua salvação, ou apenas o salto às milhões de rupias.
(Slumdog Millionaire, Danny Boyle, 2008)
Nota: ★★★☆☆
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