Armadilha do Destino, de Roman Polanski

O bandido resmungão interpretado por Lionel Stander descende de linhagem conhecida: em décadas anteriores, com uma ou outra variação, seu tipo podia ser visto em filmes como O Segredo das Jóias e, ainda mais, O Diabo Riu por Último, ambos de John Huston.

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O criminoso, em Huston, trafega entre o clássico e o moderno, como se a ele não restasse outra opção senão aceitar o sinal dos tempos. Para Roman Polanski, esse novo tempo é o espaço da exclusão, do indefinido, em Armadilha do Destino: o bandido está longe da cidade, ao lado do companheiro morto, de um casal estranho, deixado por sua gangue.

Em suma, e ainda que ao fundo, o filme celebra o fim da camaradagem, o encontro do bandido surrado – certamente, algum dia, um apostador respeitado, ou um capanga vestido a rigor para seguir o chefe importante – com a nova geração que se desenha na bela moça misteriosa, em seu marido impotente, nessas pessoas chatinhas.

O bandido descobre que o mundo mudou, que a ação não tem mais graça. O charme perde a vez e cede espaço aos detalhes de alguém feito de carne e osso e vítima das personagens desastrosas ao lado. Em momentos, tudo parece uma brincadeira, como o momento em que a moça prega uma peça no bandido ao colocar dois pedaços de papel com fogo entre seus dedos, enquanto dorme, apenas para vê-lo sofrer.

No fundo, os amantes do castelo isolado encontram no novo visitante – sem nunca assumirem – mais um motivo para permanecerem por ali. Polanski revela – sem nunca verbalizar por suas personagens – um estranho jogo que ultrapassa o sexo ou a necessidade de sobrevivência. É sobre suportar a permanência, aguentar o inesperado.

A forma de Polanski outra vez leva à clausura – tão psicológica quanto física, ou mais. O terror, na comparação com seu filme anterior, Repulsa ao Sexo, é menor. Armadilha do Destino tem contornos cômicos acertados, incapazes de retirar sua seriedade. Quer dizer, a seriedade que se vê quando se entende o jogo, e que nada escapa ao mesmo.

A trama é simples. O bandido Richard (Stander) chega ao local isolado, à beira-mar, na companhia do parceiro machucado, Albie (Jack MacGowran), figura pequena com bigodinho à la Hitler. O primeiro segue a um castelo nas proximidades, o segundo permanece no carro enquanto a maré sobe e a água pouco a pouco passa a cobri-lo.

Antes de chegar ao castelo, Richard depara-se com dois amantes livres. A bela Teresa (Françoise Dorléac) está por ali, mas sem o marido. O primeiro homem com quem é vista, descobrirá o espectador, é seu amante. E isso pouco importa no curso da obra. Polanski, em roteiro escrito com Gérard Brach, não fará da questão um conflito. Talvez seja prática comum do casal central, que inclui o fracote George (Donald Pleasence).

O bandido invade o galinheiro, depois o castelo. Quebra o galinheiro para esconder seu carro, enterra o amigo morto perto dali e deixa que as galinhas – sem que os outros mostrem qualquer preocupação – invadam a muralha na qual se refugiam os amantes, a bela francesa liberta com o marido que se veste de mulher e ri ao ser maquiado.

Polanski aposta no absurdo desse encontro, de seres diferentes que se chocam, do suposto bandido clássico que espera a chegada de seu chefe, ou de seu parceiro, que prefere distância. Vê-se apenas um avião cruzar o céu, ao passo que o piloto da máquina talvez nem tenha reparado naqueles pingos no meio da terra, às bordas da muralha.

A junção dessas figuras diferentes, em caminhos impensados, dá vez a um filme nem sempre prazeroso, quase sempre estranho, porém inesquecível. O diretor polaco prova ser mesmo um mestre do clima, sem chegar ao terror por completo. A atmosfera conferida é feita de tropeços, ponto em que burgueses exóticos e bandidos igualam-se.

(Cul-de-sac, Roman Polanski, 1966)

Nota: ★★★★☆

Veja também:
Baseado em Fatos Reais, de Roman Polanski

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