Dez pontos para compreender o cinema de Yasujiro Ozu

O “mais japonês dos cineastas japoneses”, dizem alguns especialistas sobre Yasujiro Ozu, dono de filmografia espetacular, de uma forma que, é verdade, repetia-se. Característica de alguns grandes autores: a impressão de que fazem sempre a mesma obra, apesar de pequenas diferenças. Como outros autores, Ozu tinha seus próprios traços, como se vê abaixo.

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1) Repetições e defasagens – Em sua tentativa de compreender o cinema de Yasujiro Ozu, Kiju Yoshida, em O Anticinema de Yasujiro Ozu, aborda o uso de repetições incessantes na obra do diretor japonês. Repetições de situações das personagens, mas sempre com algumas pequenas diferenças entre uma ação e outra, ou seja, as defasagens. De certa forma, Ozu repetia-se conscientemente, com a intenção de captar a vida como ela era, mas sempre com pequenas variações. Ozu costumava se comparar ao fabricante de tofu. O alimento, segundo ele, parecia sempre semelhante, mas também tinha pequenas diferenças – como seu cinema.

2) Espaços intermediários, ou planos intermediários – Talvez seja a grande contribuição de Ozu à linguagem cinematográfica e uma das marcas de seu cinema. Os planos intermediários são imagens entre dois ambientes, ou duas situações, que em geral não possuem nenhuma função na história que se desenrola. São com frequência planos gerais de paisagens da natureza ou urbanas, que por sua vez não indicam um lugar de ação, mas um lugar talvez próximo àquele em que ocorre a ação, talvez na mesma cidade. Vale notar que a muitos desses planos intermediários seguem-se os chamados planos de estabelecimento, ou seja, planos que revelam o local em que se passará a ação seguinte.

3) O drama desdramatizado – O termo, proposto por Denilson Lopes em um ensaio sobre Ozu, está ligado à ideia do neutro e provém de Roland Barthes. “O neutro (…) seria a base de um drama desdramatizado, ao invés do conflito que move a ação, na esteira da poética aristotélica, ou de uma poética do excesso, na explosão dada-surrealista-artaudiana. Em Ozu, o diálogo não é o do olho no olho, das verdades a serem desenterradas e ditas, como nos filmes de Ingmar Bergman. O diálogo em Ozu é tanto com o espaço e objetos quanto com as pessoas que estão nele”, aponta Lopes, em artigo publicado no catálogo de uma mostra sobre o cineasta japonês, de 2010. Em sua análise, o drama de Ozu é o do cotidiano “pequeno”, sem os arroubos comuns a outros tantos criadores.

4) O observador como personagem inexistente – Em boa parte dos filmes de Ozu, a câmera não reproduz o ponto de vista de uma personagem e seu olhar ao redor. Em momentos, ninguém olha a esse universo representado senão a própria câmera, ou o cineasta. Em O Anticinema de Yasujiro Ozu, Kiju Yoshida chega a dizer que os objetos podem estar olhando à vida das personagens, ou a própria cidade poderia estar voltada para elas.

5) O foco no coletivo – Por consequência da ausência do ponto de vista de uma personagem, o coletivo impõe-se quase sempre sobre o individual (Uma Galinha no Vento, por isso, pode ser uma exceção). Em seus filmes, sobrepõe-se quase sempre um grupo de personagens, em geral membros de uma mesma família.

6) Objetos à frente fortalecem a profundidade do campo – Ozu é um mestre na composição de cenas com profundidade de campo (em planos gerais, em conjunto ou médios). No entanto, sua composição de profundidade nunca fica totalmente “achatada”, como a de outros cineastas, e faz com que o espectador perceba melhor o tamanho do ambiente em questão. Isso graças a alguns elementos visuais que o autor embute ao plano, sobretudo à frente, como objetos e a delimitação do espaço por meio, por exemplo, da parte de uma parede. Nos primeiros filmes de Ozu, como Mulher de Tóquio, é possível ver o diretor tentando “buscar” a profundidade, ainda que nem sempre com sucesso, já que determinados elementos ou pessoas terminam fora de foco.

7) Planos médios intercalados por planos e contraplanos – Apesar de comum em filmes de outros cineastas, a construção é utilizada à exaustão por Ozu. Antes de dar início aos diálogos (geralmente com uso de câmera subjetiva), o diretor revela suas personagens no mesmo ambiente por meio de planos médios, ou seja, planos que as mostram de corpo inteiro, geralmente ajoelhadas. Os planos médios dos ambientes são cortados pelos diálogos em planos e contraplanos das personagens, que depois dão vez a outros planos médios, às vezes de outro ponto do mesmo ambiente.

8) Câmera na altura do homem ajoelhado – Ozu é conhecido por manter a câmera próxima ao chão. Aos ocidentais, a impressão é a de ver o mundo pelos olhos de uma criança. No entanto, Ozu obedece à altura de uma pessoa ajoelhada, como é comum na cultura japonesa. Em alguns casos, a câmera está ainda mais baixa, perto do chão. No documentário Tokyo-Ga, um profissional que trabalhou com Ozu revela ao cineasta Wim Wenders que chegava a ficar deitado para executar algumas cenas.

9) Poucos movimentos de câmera (em geral travellings) – Vão dizer que Ozu utilizava movimentos de câmera com alguma constância em seus filmes. É verdade. Filmes como Também Fomos Felizes têm movimentos extraordinários (até mesmo o uso da grua em uma sequência perto do fim). Mas outros filmes do mestre reduzem o movimento ao mínimo, ou a zero. É o caso de Era uma Vez em Tóquio, obra-prima de 1953.

10) A proximidade do cinema mudo – Como Charles Chaplin, Ozu era um entusiasta do cinema mudo e, no início dos anos 30, não via grande vantagem no cinema falado. Dos 54 filmes que fez, entre os anos 20 e os 60, 30 são mudos – e muitos estão perdidos. Ozu sempre manteve os olhos no passado, na forma do cinema mudo, também na do clássico, a recusar o exibicionismo técnico e narrativo de muitos cineastas (típico do cinema moderno). Ozu apostava nas expressões, nos movimentos, nas pequenas ações, às vezes sem depender do som.

AUTOR: Rafael Amaral, crítico e jornalista

Foto 1: Ervas Flutuantes
Foto 2: Ervas Flutuantes
Foto 3: Bom Dia
Foto 4: Bom Dia
Foto 5: Também Fomos Felizes
Foto 6: Era Uma Vez em Tóquio
Foto 7: Ozu (à câmera) durante filmagens

Veja também:
Oito pontos para compreender o cinema e o pensamento de Pier Paolo Pasolini

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