Herói de Mentira, de Preston Sturges

O nervoso Eddie Bracken antecipa o misto de loucura e impotência visto mais tarde no grande Gene Wilder. Contra ele, todos os outros, todos de sua pequena cidade, à qual retorna com uma farda de mentira, como o herói que nunca existiu. Eram tempos da guerra, momento em que estrelas penduradas no peito faziam a diferença.

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O diretor Preston Sturges ri dos exageros americanos, da falsidade que encobre seus coadjuvantes, em oposição ao protagonista obrigado a mentir. Tudo será mais forte do que ele até o momento em que, cansado, precisa desabafar em Herói de Mentira. E quando a revelação da farsa é mais convincente, inventa-se o novo herói.

O protagonista inicia sua jornada à beira do bar, desanimado, sem rumo definido: poderia – e quer – voltar para casa, mas não tem a prova do heroísmo. Foi para o exército e terminou dispensado por motivos médicos. Nunca chegou a lutar com nenhum japonês, inimigo comum aos que vibram ao falar das glórias americanas.

O rapaz, Bracken, aqui Woodrow Truesmith, deseja rever a mãe que não vê faz tempo. Não tem forças. O barman, amigo improvável em filmes do tipo, como seria nos filmes de Billy Wilder, adverte que o melhor é sair com uma garota. Ele simplesmente não consegue.

Conhece ali mesmo seis militares. Os fardados acabaram de perder dinheiro na mesa de jogos, vagam pela cidade sem qualquer tostão. O rapaz resolve pagar a todos uma rodada de bebidas e lanches. Nasce uma amizade, a ideia de dever com o moço quando este revela sua história triste: alguém que tentou ser um herói e fracassou.

Talvez resida aí a ironia maior desse pequeno filme genial: são as medalhas que forjam os heróis ou o oposto? E, em seguida, basta o título que corre à boca de todos para que não se duvide que o garoto ingênuo que retorna cheio de glórias está pronto para ser tudo, inclusive o novo prefeito de sua aconchegante cidade.

A produção modesta não economiza nos figurantes. Sturges precisa tanto dos gritos de seu falso herói, de suas escapadas, de seus pesadelos com os japoneses que nunca encontrou quanto da turba que levanta bandeiras para saudar o novo “conquistador”. Na pequena cidade, esperam por ele a família, a antiga namorada, a oposição política que desconhece – neste caso, o político à moda antiga (nunca fora de moda).

Sturges ri dos rituais (de novo), quando várias bandas unem-se – ou se desunem – para tocar muitas músicas e música alguma no momento em que o rapaz desembarca na estação; ri igualmente do mito feito para atingir a massa, eleito contra a própria vontade, carregado pelas pessoas para qualquer missão que não pareça lá muito real.

Basta conhecer um pouco da filmografia do cineasta para se chegar nas personagens de Dick Powell em Natal em Julho (o rapaz que acredita ter vencido um concurso e ganhado um bom dinheiro) e Joel McCrea em Contrastes Humanos (cineasta que percorre a América para descobrir a “verdade” e traduzi-la ao cinema, ainda que encontre a comédia).

No caso de Woodrow e tudo que o cerca, incluindo os seis militares, revelam-se a necessidade da farsa e a facilidade com que se criam heróis na nação que tanto precisa deles para sobreviver. Igualmente da guerra, do vilão possível, das histórias de ataque e heroísmo contadas à multidão em polvorosa, no meio em que cada um deve aceitar seu papel, teatro generalizado que Sturges expõe com sagacidade ímpar.

(Hail the Conquering Hero, Preston Sturges, 1944)

Nota: ★★★★☆

Veja também:
Natal em Julho, de Preston Sturges

2 comentários sobre “Herói de Mentira, de Preston Sturges

  1. Desnecessário dizer, mas sou um fã de seus textos. A temática desse filme caberia perfeitamente nas minhas aulas. Se não fossem meus alunos da geração XBox. Por acaso haveria algum filme mais recente que trate dessa mesma temática?

    1. Assim, de bate pronto, não lembro de um exatamente igual. Lembra-me, no entanto, pela abordagem do homem que retorna para casa, para sua terra, o recente O Cidadão Ilustre. Mas este não é sobre um falso herói; é sobre descobrir a miséria de sua raiz, de seu povo. Vale a pena ver. Abraços.

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