Jogador Nº 1, de Steven Spielberg

O garoto desajeitado, candidato a estranho da escola caso houvesse escola, esconde-se em um ferro-velho para viver outra vida: no mundo virtual, ele pode ser um campeão, um avatar de sucesso, a inspiração para outros jovens que, como ele, jogam o mesmo jogo. A essa altura, sabe-se, jogo e vida confundem-se, mundos colidem.

À primeira vista, Jogador Nº 1, de Steven Spielberg, parece ser um produto original, um filme como poucos. Ousado, barulhento, feito do material jovem para se pensar em gerações, não apenas no público recente, chegado a games e conexão. Por outro lado, não esconde fórmula batida: os jovens precisam dominar o mundo conectado antes que termine sob as garras de burocratas e empresas predadoras.

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É a forma de Spielberg olhar para o próprio umbigo, para sua geração: é uma auto-homenagem ao cinema que ajudou a construir, quando os blockbusters contra-atacaram, nos anos 70 e 80, e passaram a reinar desde então: a vingança dos jovens contra a Hollywood raivosa ou mesmo clássica, anterior, quando o adolescente não era o público-alvo.

Não apenas é o alvo em Jogador Nº 1. É o motor, o espírito, a quem interessa e a quem é endereçada a mensagem de Spielberg, hoje um velhinho com mais de 70 anos e ainda chegado às mensagens que os nerds adoram, nessa revisão interminável do passado em que tudo é melhor, com as “melhores músicas” e os “melhores filmes”.

A partir de um adorável mundo novo, outra vez mira a nostalgia que inclui inúmeras referências, um oceano de easter eggs devidamente escondido. O olhar do futuro é o do jovem que se recobre por óculos grandes, quadrados, para viver outra vida, em outro mundo, sem perder nunca a conexão com o passado.

O bom é que com Spielberg nunca se perde o material humano. Por isso, vale conceder um desconto: o jogo de videogame desenfreado tem ainda algo palpável, mais do que cenas de ação alucinantes nas quais monstros e personagens de outros filmes, ou de outros jogos, abundam. Juntos e misturados, a destruir o bolo, como já se sabe.

Em A.I.: Inteligência Artificial, alienígenas escavam a velha vida humana – ou o futuro que virou passado – para descobrir o “simples”: a história de um menino robô que desejava o amor da mãe. Em Jogador N° 1, os jovens conectados descobrem o quanto a realidade é mais interessante, e o quanto as respostas às charadas virtuais dependem de histórias da vida real, a saber, a do nerd recluso, responsável por criar o jogo.

Chamado Oasis, é para onde vão os jogadores e participantes. São todos avatares. O criador, vivido por Mark Rylance, deixou três chaves escondidas nesse universo à parte antes de morrer. Quem conseguir encontrá-las ganha o próprio jogo, ou seja, será o dono da empresa. De um lado estão os jovens, de outro uma grande corporação. Nesse sentido, a inocência é outra vez o motor de Spielberg: é outro filme sobre rebeldes contra o império.

Nem Detona Ralph nem Super 8 foram tão longe na mistura geral e no olhar ao passado: Jogador Nº 1 é sobre cultura pop, sobre games, sobre ser jovem em um mundo chato e futurista, no qual o candidato a nada, Wade (Tye Sheridan), escala e desliza sobre e entre trailers para sair de casa e chegar à rua. O início dá o tom de invasão que segue o filme todo: Wade está no interior da vida dos outros antes mesmo de entrar no Oasis.

Há uma adoração pelo produto oitentista, por um DeLorean convertido em máquina do tempo ou qualquer canto do hotel de O Iluminado. Beira o modismo. Ou talvez seja apenas o caso de um criador decidido a vender ainda mais o mundo que ajudou a fabricar. Alimenta o mito como nunca se fez. O triste é que esse universo passado – que fique claro: excitante e merecedor de todos os louros – é, sobretudo, adorno à tecnologia que salta, contra a qual os rebeldes não podem, pela qual fazem sua revolução.

(Ready Player One, Steven Spielberg, 2018)

Nota: ★★★☆☆

Veja também:
Guerra dos Mundos, de Steven Spielberg

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