O movimento inesperado da câmera em um pequeno grande filme de Charles Chaplin

Em sua maior parte, o curta-metragem Seu Novo Trabalho, de Charles Chaplin, apresenta uma estrutura cinematográfica comum à época em que foi lançado, em 1915: a abundância (ou quase totalidade) de planos médios, a história contada em tempo real, a montagem alternada e o uso do raccord de movimento.

O cinema ainda não havia chegado à maturidade que mostraria pouco depois. A montagem ainda estava limitada à ideia da alternância entre espaços próximos, nos quais se explorava a continuidade da ação das personagens, entre um cômodo e outro ou em perseguições. O espectador ainda não havia chegado ao épico Intolerância, de Griffith, com seu uso revolucionário da montagem paralela.

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Analisar Seu Novo Trabalho, como outros grandes curtas-metragens do mestre Chaplin em seus primeiros passos no cinema, é constatar uma estética comum à época, além da liberdade da comédia física que caracteriza o autor. Em cena, ele incorpora sua personagem mais famosa, o Vagabundo. Aparentemente embriagada, ela invade locais indesejados, quebra cenários, briga com todos e, claro, corteja uma mulher. À sua maneira, a comédia dos primeiros anos de Chaplin alterna ambientes seguindo roteiros e gags visuais semelhantes.

A personagem vai a um estúdio de cinema em busca de novo emprego. Nos primeiros minutos, o gênio abusa da montagem alternada, das ações entre um cômodo e outro: a sala de espera em que está o Vagabundo e a sala do chefe do estúdio, na qual recebe candidatos às vagas de trabalho da empresa de entretenimento.

À frente, conforme cresce a confusão, o filme ganha velocidade: Chaplin passa a invadir – a entrar e a sair – de novos ambientes, sem que o tempo nunca seja quebrado: os 30 minutos do espectador são os mesmos da personagem – o suficiente para que se crie uma série de situações moldadas a quedas, golpes e aparições surpresa.

Movimento (ou milagre)
Enquanto o cineasta no filme dentro do filme tenta dirigir sua famosa atriz e o Vagabundo insiste em atrapalhar, surge o inesperado, quase um milagre: a câmera toma a “liberdade” de se mover para frente, de maneira lenta, passando ao lado da câmera que serve ao filme dentro filme, como se a verdadeira tomasse lugar da cenográfica.

Ainda que de maneira tímida e rápida, faz pensar na mescla entre ficção e realidade, como se o cinema de Chaplin ousasse confundir o espectador sobre a posição da câmera, ou como se dissesse que a câmera dos dois filmes – o real e o do enredo – pudesse ser a mesma. O movimento (chamado de push-in) dá a ideia de invasão, com a ida ao fundo do cenário, o que contrapõe quase toda a forma do filme, feito de entradas e saídas pelos cantos do quadro.

Outro movimento, ainda mais sutil, igualmente raro, vem a seguir: sobre trilhos, a câmera desloca-se circularmente, à esquerda do quadro, enquanto o Vagabundo, em cena, interage com a mulher e com um pilar prestes a cair. Tais movimentos fornecem uma energia estranha a essa estética calcada na imagem fixa que se opõe às pessoas e suas confusões.

Plano americano
A arte do cinema mostra que não há regra absoluta, ainda que algumas formas sejam constantes. O que não cabe apenas ao movimento. A certa altura desse curta-metragem, é possível encontrar, por exemplo, um plano americano, quando a personagem do diretor dá ordens aos seus comandados, aos atores e à produção, no filme dentro de outro.

Seu Novo Emprego é irônico: um filme que se passa nos bastidores do cinema e que era justamente o primeiro de Chaplin em seu novo emprego, agora no estúdio Essanay, em Chicago. Depois de ser descoberto por Mack Sennett e ter feito inúmeros curtas para a Keystone em 1914, o gênio da comédia tomou um novo caminho. Experimentava, cada vez mais, as novidades do cinema e de sua linguagem.

(His New Job, Charles Chaplin, 1915)

Nota: ★★★★☆

Veja também:
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