Três Anúncios para um Crime, de Martin McDonagh

Três anúncios em três outdoors à beira da estrada, para quem segue à pequena cidade, indicam um crime impune: uma moça foi estuprada, assassinada e teve o corpo queimado ali mesmo, perto da estrutura de uma das propagandas, como indica a grama escura. Sua mãe ainda aguarda a prisão do dono da atrocidade.

Ao cruzar com os outdoors, ainda no início de Três Anúncios para um Crime, a mãe percebe o visual degradado, a velha propaganda sobre outra, recortes que não dão vida a qualquer imagem. Representam apenas o que esse local se tornou, e ajudam a compreender do que fala esse grande filme de Martin McDonagh: o esfacelamento daquele espaço, o que não pode ser ocultado por uma propaganda qualquer.

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E o que há de mais intrigante pode ser resumido nesses mesmos três outdoors então abandonados: a sociedade em questão renunciou à representação e, ao longo do trabalho de McDonagh, suas personagens serão o que se espera delas. Ao contrário do que pode ansiar o espectador, não se trata de um filme sobre a procura por um assassino.

O que salta é a provocação, estudo da relação entre pessoas, a bola de neve que toma proporções impensáveis quando a protagonista, a mãe que espera por justiça, resolve inverter o jogo nessa sociedade do espetáculo: a propaganda, entende ela, servirá para revelar, não para alimentar o sonho ou alavancar a venda de algum produto.

Ela compra o espaço dos três outdoors esquecidos. As novas publicidades fornecem, em vermelho, alguma vida, alguma atenção, ódio e dor em igual medida: ao indicar o nome do chefe da polícia que ainda não conseguiu prender o responsável por matar sua filha, a mulher evoca a ira daqueles que preferem a sociedade em silêncio.

Fala-se aqui de um país envelhecido, perdido no mapa, de pessoas que gastam seus minutos com a alegria de encostar em algum balcão, ou se acomodar à varanda, para beber sob o crepúsculo. O oculto (o crime não resolvido) mescla-se àquilo que não se esconde (a reação das pessoas, a constatação de que não são suspeitas, mas que se deixam ver).

Os policiais não são previsíveis. São humanos que sangram, e que deixam o sangue vazar, em momento inesperado, no rosto da protagonista. É quando todos, sob o golpe do susto, de partículas vermelhas, transparecem à tela: dobram-se àquele gesto de humanidade inesperado, para a surpresa do espectador imerso em ambiente rústico.

Três Anúncios para um Crime é um filme raro tanto em drama quanto em comédia. Verdade que a segunda é mais rara que o primeiro. Verdade também que não há aqui alguém a se apegar e que qualquer gesto de bondade ou violência sempre produz o inesperado. A começar pelas propagandas, revela-se na tela gente verdadeira.

A protagonista é vivida por Frances McDormand. Difícil imaginar nome mais triste para uma mãe sem a filha: Mildred. Não dá para esquecer a famosa Mildred Pierce, que dá o próprio pescoço para salvar sua menina. Mas a personagem de McDormand escapa ao melodrama, ao esquematismo da ficção que, ao fim, oferece arrebatamento. Seu caso é outro: ela precisa conviver com a incerteza do passo seguinte, na companhia de um homem que poderia odiar, em dúvida se deve matar outro homem, não o assassino da filha.

As personagens ao lado, interpretadas por Sam Rockwell, Woody Harrelson e outros, descobrem que melhor é viver para rir das tragédias. Há algo cômico no inesperado, em um filme cuja protagonista convive com a dor, com o grito preso, a fim de mudar a cidade em que mora – a começar pelos três outdoors que representavam, com estranhas colagens, um passado distante, um local sem forma definida.

(Three Billboards Outside Ebbing, Missouri, Martin McDonagh, 2017)

Nota: ★★★★☆

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