Léon Morin – O Padre, de Jean-Pierre Melville

Acreditar em Deus não é uma escolha, é um sentimento. Pelo menos é o que argumentam – ou o que descobrem – as personagens de Léon Morin – O Padre, de Jean-Pierre Melville. No caso da protagonista, Barny (Emmanuelle Riva), é sentir um ardor de revelação, o que a faz correr à companhia do padre para relatar esse sentimento.

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Para ela, antes uma ateia vivendo em uma pequena cidade francesa sob a ocupação alemã, durante a Segunda Guerra, a descoberta parece algo racional: ao padre, revela que a descoberta da fé não fez acontecer nada. Pelo contrário, “tudo parou”. Talvez nesse ponto, nesse pequeno diálogo perdido, esteja o sentido do filme de Melville.

Como sentimento, a fé surge de maneira abrupta, abate, leva, o que com certeza tem ainda mais peso no período sombrio aqui retratado. A partir do livro de Béatrix Beck, Melville conta a chegada da mulher a esse sentimento, esse estado de paralisia, ainda na metade da obra. O interlocutor é a personagem-título.

O padre surpreende. Diz o que não esperamos, contribui à mudança da mulher. O que ele não esperava era justamente a mudança dela. Fosse outro, acolheria a ovelha, comemoraria a conversão. Mas Morin é mais racional do que parece, e a fé, em seu caso, está calcada em sentimentos incontornáveis, presa à própria natureza do ser.

“Esta garota está doida”, observa ele, rapaz pouco chegado a expressões fortes. O filme todo, ou quase, concentra-se no embate entre ambos, homem e mulher, padre e ateia. Cada lado, aos poucos, move-se ao impensável: ela à religiosidade, ele à dificuldade de aceitar a mudança dela – talvez por não ser algo típico à sua natureza.

Talvez por ser ela, em pele, a mulher combativa, típica personagem moderna que confronta sem perder sua característica natural. E por serem tempos, aqueles, de resistência: para fora da igreja, a guerra batia à porta de todos, a França era uma nação tomada e sua instituição, reconhece o padre, havia perdido parte dos fiéis camponeses.

Barny entra na igreja, no início dessa história, apenas por divertimento. Deseja, no alto de sua descrença, um padre a afrontar. Escolhe a cabine de Léon Morin, talhado por um impassível – e por isso improvável, em outra curva curiosa – Jean-Paul Belmondo. Longe do vigarista, do pequeno bandido que viveu, por exemplo, em Acossado.

O primeiro encontro de ambos, no confessionário, é filmado parcialmente sem divisões por Melville. Em suas aparentes diferenças, estão unidos, partes do mesmo universo. O diretor oferece equilíbrio pelo embate. Mais tarde, após a conversão da mulher, serão filmados em plano e contraplano, divididos sempre pela tela do confessionário.

A mulher faz do cristianismo uma forma de choque. Morin transforma-a. Para uma amiga que flerta com os inimigos, ela diz que uma cristã “não tem direito de aceitar essa amizade [com os alemães]”. “É melhor uma França morta que em pecado mortal”, continua Barny. Entregar-se ao invasor equivale a se prostituir.

Enquanto Morin ouve uma amiga da protagonista, o espectador ouve apenas a personagem de Riva. Seus pensamentos, suas conclusões sobre a beleza do padre e o quanto isso pode ser errado. Mas Cristo era belo também, conclui ela. Morin é um belo servo de Deus. A voz como recurso narrativo oferece cumplicidade, espaço ao qual apenas o espectador tem acesso, como no primeiro filme de Melville, o impressionante O Silêncio do Mar.

Sentimentos inexplicáveis, para além da religiosidade. Como a estranha atração pelo oficial nazista no já citado primeiro filme, o que se desenrola entre a camponesa e o padre não é totalmente explicado. Ela sonha com o beijo dele, que vai embora ao perceber o amor dela. O amor pelo padre escapa à racionalidade. É como aceitar a existência de Deus.

(Léon Morin, prêtre, Jean-Pierre Melville, 1961)

Nota: ★★★★☆

Veja também:
Emmanuelle Riva (1927–2017)

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