O que atrai Bree Daniels à prostituição é a possibilidade de interpretar e, por consequência, mostrar sua força. Nesse jogo, pensa ela, talvez com razão, não vence quem paga, o cliente, mas quem induz ao desejo e faz do corpo o produto perfeito, das palavras a arma que os homens não encontram, na vida comum, com facilidade.
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A moça em questão é a personagem central. Klute, O Passado Condena é mais dela, menos da personagem-título, o investigador interpretado por Donald Sutherland (alguém que entrega sempre o oposto, a não interpretação). Bree cria sua máscara para viver na grande cidade; tenta ser uma atriz e só consegue enquanto prostituta.
O beco em que se encontra ultrapassa a trama de assassinato que percorre o filme de Alan J. Pakula: é sobre prostituição, sobre a arte de viver para interpretar, não sobre um assassino em série que mata garotas de programa. É também sobre o espírito liberal de seu tempo, produto da Nova Hollywood, sujo, despojado, sempre nos guiando ao improvável.
A prostituta chega aqui ao divã. Não se sabe se este é o primeiro filme em que uma personagem assim procura uma psicóloga para se compreender melhor. E a resposta da outra – paga para ouvir, colocando Bree como contratante, não a contratada – é a mais sincera possível: não há poção mágica para resolver problemas psicológicos.
O problema de Bree é explicado nessa mesma sessão de psicoterapia: mesmo com o empoderamento da interpretação, ela tem reservas em relação ao corpo. Ao oferecimento do objeto. Ainda assim, confessa que passou a gostar daquilo porque não a deixa se sentir sozinha. A aparição do investigador Klute faz com que tome outro rumo: Bree não poderá comprá-lo com o corpo. Sua interpretação deverá ser mais convincente.
Klute chega a Bree enquanto procura por um homem desaparecido. A prostituta teria recebido algumas cartas obscenas do procurado. A investigação leva a crer na existência de outro homem, um assassino, também responsável por matar outras duas garotas de programa. Não é difícil concluir que Bree é a próxima da lista.
Pakula mantém o tom seco a cada nova cena. Em alguns momentos, enquadra as personagens do alto, como se estivessem sob vigia. Os créditos de abertura remetem à ideia de vigilância, com gravador e vozes, com confissões – na verdade, interpretações – da protagonista, ao telefone. “As inibições são boas, pois é tão bom superá-las”, declara.
Das inibições sofre Bree ao se apaixonar por Klute. O filme não chega à confissão desse novo amor. A heroína nega-se até o fim. Na investigação que auxilia, ela sente-se correta, do lado limpo da história. Confessa, no fim, em narração, que sua fuga poderá durar pouco. Talvez retorne a Nova York rapidamente. Autêntica, não escapa de seu meio natural.
Em seu meio, precisa se sentir suja. Pakula entrega a Jane Fonda uma grande cena, a maior de sua carreira, o momento em que, em uma festa, caminha entre convidados e para para beijar um homem qualquer – com prazer, ou interpretando, não se sabe. Depois, ao som da música alta, termina ao lado de seu cafetão (Roy Scheider).
Não se pode negar a própria natureza. O assassino teria negado a sua. O homem engravatado observa a cidade do alto do prédio e precisa se esconder. Vive outra interpretação. Tenta destruir as mulheres que o fazem enxergar seu pior lado.
Klute é um grande filme sobre esconderijos. O gravador, na abertura e ao longo da história, confirma essa ideia. Confissões, gravadas ou não, aos amantes de ocasião (clientes) e à psicóloga. “Por uma hora, sou a melhor atriz do mundo, a melhor trepada do mundo”, afirma Bree, sobre seus poderes de atriz, na sessão de psicoterapia.
(Klute, Alan J. Pakula, 1971)
Nota: ★★★★☆
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