O homem é quase sempre um animal selvagem destinado a lutar contra a morte. É o que diz O Regresso, sobre um caçador atacado por um urso, enterrado vivo, obrigado a rastejar e comer o que encontrar pela frente para sobreviver. Por outro lado, esse aparente animal tem sensibilidade, ama o filho morto, sonha com a mulher. Possui espiritualidade para enfrentar a natureza bruta e, ao que parece, sem sentido.
A busca por um significado, algo que retire o homem do espaço dos animais, ocupa boa parte do filme. Alguns sinais indicam que não há mais saída, como o índio enforcado e com uma placa na qual se lê “Nós somos selvagens”. A jornada do protagonista, Hugh Glass (Leonardo DiCaprio), inclui tanto o espírito quanto a selvageria, a religiosidade e a natureza, a aparência do animal e a do verdadeiro humano.
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A vingança é um traço humano, movido por planos e emoções. Ou também faz parte da vida dos animais, que não suportam conviver com inimigo que aniquila seus descendentes? No filme de Alejandro González Iñárritu, Glass encontra ainda cedo seu algoz, John Fitzgerald (Tom Hardy), também um caçador, homem frio e implacável.
O filme começa com as viagens de Glass ao seu próprio interior, ao passado, ao encontro da bela mulher, à exposição da espera dela, em algum paraíso, pelo homem que parece já ter visto de tudo pelas suas andanças, entre guerras e chacinas.
O filme prende-se ao maniqueísmo: quando prefere o lado físico, é melhor; quando parte para o espírito, com longas caminhadas nas quais a personagem não sai do lugar, percebe-se a necessidade de humanizar o protagonista a todo custo.
Glass é exceção. Quase todos os outros preferem a selvageria. Não faltam sequências para justificá-la, como o conflito da abertura, com os índios; como o encontro de Glass com outros índios ou mesmo com outros homens. O entendimento é difícil. Aos poucos, a natureza torna-se o menor dos problemas. O maior deles é o homem.
A extraordinária fotografia é de Emmanuel Lubezki. Não por acaso, alguns momentos parecem ter saído dos filmes recentes de Terrence Malick, ainda que a busca pelo espírito, aqui, não chegue à mesma profundidade. Retorna a preferência pelo plano-sequência: como em Gravidade ou Filhos da Esperança (todos com fotografia de Lubezki), não se escapa ao caminho, ao movimento constante.
Como O Regresso, são filmes sobre pessoas em situações extremas, nos quais a fotografia desempenha papel importante ao lançar o espectador à profundidade do universo e, ao mesmo tempo, à respiração das personagens, ao contato próximo, íntimo, às pequenas partículas de água e sangue ora ou outra jogadas na lente.
É, por isso, um filme sobre a transformação de um selvagem em um homem consciente (ou apenas um homem), que renasce mais de uma vez para pensar em sua vingança, se ela realmente lhe dará algo sólido – questionamento provocado justamente pelo vilão.
Ao contrário do algoz, Glass tem escolhas. O Regresso oferece uma trilha estranha sob os sinais da selvageria, como o grande urso surgido do interior da mata para atacar o herói ou o búfalo encurralado pelos coiotes. Esses sinais da vida natural convertem-se em horror. O homem, em seu interior, combate-os: converte-se em espírito.
(The Revenant, Alejandro González Iñárritu, 2015)
Nota: ★★★☆☆
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