Tony Manero, de Pablo Larraín

O gesto de John Travolta, em frente ao espelho, seduz o homem silencioso interpretado por Alfredo Castro em Tony Manero, de Pablo Larraín. A cueca de Travolta é saliente, a câmera coloca-se abaixo, em contra-plongée, e o homem desbocado, na tela, parece maior do que é, o que certamente faz a diferença ao seu fã.

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Castro é Raúl Peralta, sósia (ou quase isso) de Manero, a personagem. É tratado por Larraín como um homem pequeno, de aparência vazia e até mesmo frágil. Dele não se sabe nada. O que lhe preenche apenas é a personagem que deseja interpretar ou viver, o homem dos “embalos de sábado à noite” que, no fundo, não pode ser.

Mas Peralta é um sociopata: sua aparência frágil logo dá vez ao assassino, servindo a um contraste perfeito, de natureza visual: é uma espécie de Norman Bates que gosta de observar e, difícil de definir, alguém que não deixa saber o que fará em seguida – talvez à exceção dos momentos finais, quando segue uma nova vítima.

Homem sem qualquer senso de justiça ou sentimento, homem à frente dos sinais de sua época, o fundo escuro ou pastel dos tempos da ditadura de Augusto Pinochet, no Chile. Pouco distante, esse fundo incomoda: é um momento em que o Estado mata pessoas contrárias à sua ideologia, momento de perseguição política.

O que assusta é justamente a opção pelo protagonista alienado, à frente do espaço sem vida alguma. É o alienado e assassino quem sobrevive e se adapta à época, que escapa impune dos crimes que comete, alguém que incomoda menos o sistema do que a resistência que imprime folhetos contra Pinochet, sob a mira de investigadores.

Peralta sequer consegue dar prazer às mulheres com as quais convive. Em uma cena forte, não consegue se excitar quando uma delas, a mais velha, volta-se ao sexo oral; em outra, com a filha dessa mesma mulher, termina deitado na cama enquanto a companheira masturba-se ao lado. À tela resta a face enigmática do protagonista.

Larraín deixa ver esses sinais de impotência enquanto o mesmo candidato a Manero, o homem forte e de cueca saliente, mata pessoas por muito pouco. A primeira é uma senhora que ele finge ajudar e depois rouba sua televisão; mais tarde, mata um projecionista do cinema no qual assistiu, por dias seguidos, Os Embalos de Sábado à Noite. Fica desapontado quando o filme sai de cartaz e decide roubar a cópia.

Trata-se de um momento interessante: a mesma sala de cinema dá espaço a Grease – Nos Tempos da Brilhantina, com o mesmo Travolta, mas sem o mesmo ambiente e a mesma trilha sonora, sem a personagem revoltada de antes, ao espelho, a figura rebelde – até certo ponto – que inspira o assassino em questão.

Comum, em suas caminhadas, ver um homem um pouco perdido, sob os efeitos da câmera trepidante, ora ou outra sem foco. Larraín institui um universo fechado, estreito, escuro, no qual não é possível ver tanto. O homem em foco – ou fora dele – é um ser repugnante que obriga o espectador a reparar no fundo para tentar encontrar uma justificativa à sua existência e ao seu destaque: ele é o reflexo de sua época.

A atração cinema e pelo protagonista da tela, o dançarino que se impõe e vence concursos em casas noturnas, é mais uma forma de tomar uma personagem à força, menos a expressão de um fã. Peralta talvez explique isso em seu vazio natural, em sua forma enigmática: ele precisa desesperadamente ser alguém.

(Idem, Pablo Larraín, 2008)

Nota: ★★★★☆

Veja também:
Segredos do Poder, de Mike Nichols

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