Post Mortem, de Pablo Larraín

O golpe militar no Chile, em 1973, é abafado pelos efeitos de Pablo Larraín. Não significa que seja menos sentido ou contundente em Post Mortem. O diretor prefere a aproximação, as faces impassíveis que antecipam o pior, presas à atmosfera de terror.

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Há por ali algo próximo a um campo de concentração. É quando cadáveres começam a chegar ao necrotério, local em que trabalha o protagonista, Mario (Alfredo Castro). Os corpos são empilhados à medida que seu rosto fica acinzentado, à medida que ele vê-se sozinho, sem saídas, destinado a obedecer aos militares no poder.

Mario não é muito diferente do protagonista do filme anterior de Larraín, Tony Manero, vivida pelo mesmo Castro. O ambiente também é o mesmo: passa-se nos tempos da ditadura chilena, com soldados à rua e pessoas perseguidas. Os protagonistas, em ambos, mais espreitam do que participam das situações que tocam a história chilena.

E isso justifica a opção de Larraín ora pelo abafamento, ora pela distância. Em uma sequência curiosa, ele expande o quadro e deixa ver alguns carros queimados em uma rua vazia, ao mesmo tempo em que Mario tenta entender o que se passou.

O filme passa da forma do terror à da ficção científica, aos olhos desse homem sempre quieto, robótico, como outras personagens de Larraín, a exemplo do sociopata de seu trabalho anterior. É o homem deixado em uma terra arrasada, sem ninguém.

Aos tempos de ditadura o diretor soma ainda outro obstáculo: uma personagem sobre a qual nada se sabe e que nunca (ou quase) mostrará sentimentos. O momento em que Mario chora ao lado da amante soa deslocado, falso, e a tristeza que parece refletir ao ver o sofrimento da amiga de trabalho nunca ultrapassa a face petrificada.

Em dois grandes filmes com Alfredo Castro, Larraín leva o espectador aos efeitos da ditadura – ao fundo ou à frente – no homem alienado. Sobretudo em Post Mortem, à personagem será impossível se desviar dos efeitos do golpe militar, enquanto surgem novos cadáveres em seu caminho, entre eles o do então presidente Salvador Allende, em autópsia aos olhos de Mario, responsável pelos relatórios médicos.

O filme então deixa ver do que trata: a tentativa de possuir os corpos, de cortá-los e de ditar os motivos de suas mortes. A falsificação da realidade – ao mesmo tempo em que os vivos parecem cada vez mais mortos, ao mesmo tempo em que Mario poderá aderir à violência como efeito de um mundo cercado pela morte.

A relação de Mario com a vizinha permanece estranha e silenciosa. Ele ama-a, sem dúvida, mas sempre com alguma distância, com aparente indiferença. Quando fazem sexo, a câmera prende-se ao corpo dela, a uma pequena parte, nem plano detalhe nem close. Oferece uma pequena parte viva, em movimento, de uma relação mecânica.

São mortos-vivos que antecipam o golpe. A mesma mulher, interpretada por Antonia Zegers, é uma dançarina de teatro. Em um dos encontros com Mario, ela abre seu roupão e deixa ver o corpo de ossos salientes. Difícil saber por que conquista o vizinho, que chega a dar um carro para que o dono do teatro a mantenha no emprego.

O pai e o amante da mulher fazem parte de um grupo comunista. Ao entrar na casa dela, onde ocorrem os encontros do grupo, Mario observa o ambiente, ao mesmo tempo perto e distante das pessoas. São algumas das vítimas do golpe que se aproximava, a contribuir ao aumento dos cadáveres dos quais o protagonista tenta desviar.

(Idem, Pablo Larraín, 2010)

Nota: ★★★★☆

Veja também:
O Lagosta, de Yorgos Lanthimos

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