No, de Pablo Larraín

O homem inclinado ao trenzinho de brinquedo será, na abordagem de Pablo Larraín, um dos responsáveis pela retirada de Augusto Pinochet do poder, no Chile, no fim dos anos 1980. Até esse momento, foram-se 15 anos de opressão e mão de ferro.

Não é fácil engolir essa versão, a de que a publicidade criativa, quase sozinha, retirou o ditador de seu trono. Mas a História, sabem os estudiosos, está cheia de linhas tortas e passagens estranhas, algumas à beira do absurdo. Em No, o espectador aceita.

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René Saavedra (Gael García Bernal) é o homem à frente da empreitada e a história da campanha pelo “não”, tão fantástica, funciona à base da câmera trêmula, do registro realista e às vezes fora de foco, de um bando de gente comum em um filme incomum.

O universo em questão já está transformado. Para vender o “não” na campanha do plebiscito e retirar Pinochet, o publicitário Saavedra utilizará o humor. O que vence, sobretudo, é a fórmula da publicidade levada todos os dias à televisão, semelhante à do forno micro-ondas, do refrigerante e de qualquer produto a ser consumido.

A imagem que marca o início é a do palhaço. Vale tudo para chegar à emoção e à graça, aponta Larraín. Os tempos eram outros no fim da década de 1980. Uma campanha pautada em imagens de violência, entende o publicitário, não cairia bem à televisão e sua fábrica de desejos. A campanha do “não” atacaria Pinochet com alegria.

Mas eram ainda tempos instáveis. A ruptura não chegaria sem barulho e truculência. Havia, do lado de fora do país, uma pressão para a instalação da democracia. Com o plebiscito, os militares permitiram sua aparência. Líder nenhum, em uma situação como tal, daria espaço a uma campanha que não pudesse vencer.

O “não” dava as costas ao passado, ao montante de corpos, às doses de dor que o mesmo Larraín havia explorado em seu filme anterior, o ótimo Post Mortem. E mostrar a dor na televisão era justamente o que desejavam alguns militantes comunistas.

Alguns terão dificuldades em aceitar as peças publicitárias de Saavedra, aparentemente infantis e sonhadoras. As mudanças não caberão sem alguma insistência. Saavedra é o próprio produto de renovação, homem que se aproveita antes das imagens de Larraín, a estética da imperfeição aqui imposta. Ele retira desse visual a possibilidade de ser como qualquer um entre a multidão, alguém com seus problemas pessoais.

Essa parte da história chilena seria então desajeitada, truncada pela imagem imperfeita, pela falta de foco – não raro pela dificuldade de ver. A opção em fazer o filme com o uso do U-matic pode parecer estranha, mas é certeira. A aparência de vídeo, como em antigas reportagens, é para Larraín a oportunidade de abolir as divisões entre a peça publicitária, a imagem da época e a história recriada. Talvez tudo não passe de uma propaganda com fundo verdadeiro.

A opção do cineasta é pelo ponto de vista do publicitário, permitindo assim uma ideia de seu tempo, com seus produtos e a forma que as campanhas políticas tomariam a partir de então. À sua maneira, o discurso publicitário subverte e engole – pelo menos aqui, ou pelo menos em algumas democracias – o velho discurso comunista.

(Idem, Pablo Larraín, 2012)

Nota: ★★★★☆

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