Uma Janela para o Amor, de James Ivory

A paisagem fica dividida entre luzes e sombras após o primeiro beijo entre Lucy Honeychurch e George Emerson. Em seguida vem a chuva, a transformação: efeitos que representam as mudanças na vida da moça, com a presença do amor.

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Tudo leva a essa abertura que o título antecipa em Uma Janela para o Amor, às descobertas da jovem protagonista. O problema é que ela nega a mudança, evita o belo George: mente para os outros e para si mesma, torna-se noiva de outro homem.

E todos os caminhos, no filme de James Ivory, indicam a certeza de que ela não pode ser de outro senão dele. Quando se beijam, ele toma-a com força. Ela deixa-se levar, como se fosse vítima, como se estivesse à beira do abuso. Finge ter o corpo mais leve do que tem, o que talvez comprove o que já se sabe: ela ama.

Ivory, a partir do roteiro de Ruth Prawer Jhabvala, baseado no livro de E.M. Forster, apresenta a tempestade sobre essa jovem. É às vezes engraçado, menos sofrível do que se espera. É um filme sobre a celebração do amor, sobre as voltas do coração para se assumir, então, o óbvio: o amor pelo outro. Apenas isso.

E por que ela demora tanto? Porque o clima é de mudanças, porque nessa roda de pessoas finas as convenções têm seu próprio peso. Como em Os Bostonianos, filme anterior de Ivory, a mulher forte choca-se com o homem de peso semelhante. Há, por isso, a dificuldade de assumir algo profundo. É ele, não ela, que coloca tudo às claras.

George tem razão: Lucy, em seu relacionamento com o efeminado e correto Cecil (Daniel Day-Lewis), não será feliz. Para o noivo, ela será apenas o presente embrulhado, o braço direito, o boneco de ventríloquo a tocar Beethoven e Schubert.

É com o piano, por sinal, que Lucy deixa ver – não para todos, apenas para alguns – a fúria que parece carregar. É essa fúria contida que torna o material de Ivory interessante, não a fúria que não se pode controlar, como na sequência em que dois italianos brigam e um termina morto, entre as andanças das personagens por Florença.

Na Itália de clima quente, de cores fortes, de homens ligados a belas mulheres em suas carruagens, é que Lucy descobrir-se-á. O filme começa com a abertura da janela, em uma pensão. Não é uma bela vista. Sua companheira, Charlotte Bartlett (Maggie Smith), reclama, durante o jantar, da falta de uma bela paisagem para apreciar.

Ao lado do filho George, o senhor Emerson (Denholm Elliott) oferece, caso as damas aceitem, a possibilidade de fazer a troca dos quartos. Os homens possuem janelas voltadas à bela Florença. Charlotte reluta, Lucy aceita. Ambas trocam com os homens e, em seus encontros, George esculpe ou desenha para Lucy um ponto de interrogação: primeiro no prato de comida, depois atrás de um quadro fixado à parede.

O filme tem saídas deliciosas, roteiro econômico e pulos no tempo permeados por legendas que suspendem mistérios. O problema não pertence aos outros. Está dentro das personagens. Um belo exemplar de sentimentos, de labirintos internos.

A comédia de Ivory quase deixa o drama apoderar-se. Para Lucy – de olhos pequenos, de sentimentos presos e prestes a explodir –, entregar-se a George significa deixar o amor vencer a barreira que se impõe na luta entre sexos. Ela quer ser uma mulher forte, mais forte do que ele, resolvida e talvez independente.

Vivida por Helena Bonham Carter, ela exacerba-se pela música, não pelos gestos. Gosta de brincar e, ao ver o George de Julian Sands, descontrola-se: paralisa ou amolece. Importa mais o desejo que se revela nos bastidores do que o palco em que se encontra a alta sociedade, em belas casas, jardins, em seus jantares impecáveis e falas pomposas – o que não exclui a presença de um padre e, por isso, de certo moralismo.

Os amantes terminam em carícias, à beira da janela, na junção entre a descoberta do mundo externo e os prazeres do privado: naquele meio em que amar é uma saída à liberdade, não à servidão. Com delicadeza, graça e até ousadia.

(A Room with a View, James Ivory, 1985)

Nota: ★★★★☆

Veja também:
A Mulher do Lado, de François Truffaut

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