A Qualquer Custo, de David Mackenzie

Perto do fim, o homem branco assume o lugar do índio, o lugar do perseguido que, em séculos anteriores, foi condenado à morte. “O senhor das planícies. Sou eu”, declara, pouco antes de ser baleado, não sem atirar contra os policiais que o cercam.

Corre a todo instante o desejo de inversão em A Qualquer Custo: os vilões aparentes não são tão maus, e talvez até levem à frente uma causa justa. O crime que carregam é contra o sistema, não contra uma ou outra pessoa. Assaltam bancos no país em que estes tomaram o poder. Vivem em um ambiente no qual as placas de casas à venda ou hipotecadas dividem espaço com as de crédito fácil, apenas alguns metros à frente.

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Os dois irmãos criminosos (Ben Foster e Chris Pine) são perseguidos por dois policiais, um próximo de se aposentar (Jeff Bridges) e um descendente de índio (Gil Birmingham). Os perseguidores chegam a se estranhar. Ao fundo, apesar da camaradagem, deixam ver certo ranço e trocam alfinetadas.

O índio é quem aponta o problema: seu povo, antigo dono daquelas terras, foi caçado. O caçador, em seu tempo, passa a ser o dono do dinheiro, não mais com um rosto a expor. E deixa claro quem é esse novo vilão: o banco do outro lado da rua.

A ironia é que esse índio convertido em policial terá de proteger o banco contra os jovens vilões, os irmãos que resolveram assaltar agências em pequenas cidades americanas nas quais todos portam armas – do velho senhor que atira contra ambos, ainda no início, aos vários atiradores que os perseguem, ao fim, quando encurralados.

Eles “lavam” o dinheiro em cassinos. Não raro, os velhos sinais americanos – os caubóis, os ambientes empoeirados, a boiada – divide espaço com o que parece haver de mais moderno, a começar pelo brilho e pelas luzes desses ambientes de jogatina.

Tanner (Foster) não deixa ver os motivos de seus crimes. Apenas leva à frente o que sabe fazer, após alguns anos encarcerado. O irmão, Toby (Pine), tem suas razões para tanto: ele deseja mudar o destino da família. Seu diálogo com o policial de Bridges, ao fim, é revelador: confessa que toda sua linhagem foi composta de pessoas pobres.

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O que se vê no texto de Taylor Sheridan, com a direção precisa de David Mackenzie, é um acerto de contas com o passado. Ainda que pelo caminho mais curto, pelo crime. E que não deixa saída aos policiais – distantes, impessoais, homens maduros que nada podem fazer senão ignorar as supostas injustiças. Ou reduzi-las às alfinetadas.

Com ação aqui ou acolá, o filme prefere o diálogo, a reflexão, o estado de mudança que recai sobre todos: o homem que resolveu se tornar criminoso, o que aceitou a própria morte, o velho policial que ainda crê na justiça e o índio consciente e irônico sobre a posição de cada uma das peças em jogo, tudo tão claro e estranho.

A impessoalidade dessas relações – como a distância entre homens – contribui para a frieza. Em momento algum a obra importa-se em ser elegante, em ter “estilo”. Ao contrário: seus homens não dispensam o jeito dos velhos pistoleiros de sotaque marcado, ou a sujeira que pouco se esconde sob o cabelo oleoso.

E contra outra impessoalidade – a do sistema, a dos novos vilões –, os criminosos reivindicam seu lugar como “senhores das planícies”. Provável que estejam envolvidos em luta inglória, a exemplo dos índios, séculos antes, naquele mesmo local.

(Hell or High Water, David Mackenzie, 2016)

Nota: ★★★☆☆

Veja também:
O Homem do Ano, de José Henrique Fonseca

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