A médica e protagonista Jenny Davin (Adèle Haenel) procura por uma identidade. Após saber que uma imigrante morreu e que poderia salvá-la, ela não ambiciona descobrir quem é o assassino, ou seus motivos. Deseja apenas chegar ao nome da vítima.
Move, assim, A Garota Desconhecida, dos irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne, que não é mais um suspense envolvendo imigrantes e desumanização. O nome é o primeiro passo – e o último – para conferir um fio de humanidade à mulher morta.
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Algumas revelações surgem à moça na clínica em que trabalha, na qual atende imigrantes com medo de ir ao hospital e serem deportados. O que parece preguiça do roteiro ganha novo contorno: os Dardenne exploram um universo que pertence apenas à médica, colada à câmera, em cena o tempo todo e ao mesmo tempo desconhecida.
Como outros filmes dos irmãos, há uma jornada, pessoas diversas batendo à porta, retornos constantes aos mesmos locais e às mesmas personagens. Situação, de novo, de clausura, com câmera a flagrar detalhes, a respiração, o incansável retorno ao celular e os “tempos mortos”. O visual realista exclui luzes fortes, não há trilha sonora.
Os Dardenne retornam ao cinema rígido que faziam em longas como Rosetta, O Filho e A Criança. Mais tarde, com O Garoto da Bicicleta, explorariam o drama com música. Algo se transformava nessa filmografia repleta de trabalhos importantes e premiados.
Com A Garota Desconhecida, levam à médica, talvez à verdadeira desconhecida que circula pelas casas dos pacientes. Nunca chega a ser uma heroína. É pequena, fria como seu universo, a dizer palavras repetidas a quem interpela, a fumar em sua janela.
Certa noite, enquanto conversa com um estudante de medicina e colega de trabalho, Jenny recusa-se a atender a campainha da clínica. Descobre, pela polícia, que uma mulher em busca de socorro foi assassinada. Justamente quem batia à porta.
A opção dos Dardenne continua a mesma: a aproximação à personagem não deixará saber nunca quem ela é, o que pensa. O acesso, apesar de tamanha proximidade, é impedido: a médica fornece apenas sua caminhada e o filme espalha humanismo a conta-gotas, até chegar ao momento do abraço, no encerramento.
A busca pelo nome da vítima leva Jenny a diferentes locais, a personagens diversas. Leva a um nome que talvez não seja o verdadeiro, ao cemitério no qual a mulher será enterrada, ao mesmo estudante de medicina (Olivier Bonnaud) – em local afastado – que desistiu da profissão após não conseguir atender um menino que convulsionava.
O início, quando Jenny e o estudante atendem um homem, o tema do filme e o próprio cinema dos Dardenne são expostos: eles silenciam para ouvir a respiração – ou mais: o interior do paciente – e chegar ao diagnóstico. É sobre atingir esse espaço invisível.
No interior vazio apenas às aparências há mais a encontrar: os cineastas deixam sempre os rastros de cansaço da protagonista, e cada retorno ao mesmo ponto, cada giro em falso, cada movimento sem sentido tornam a viagem mais dolorosa.
Diferente de outros filmes dos cineastas, A Garota Desconhecida é otimista. A protagonista justifica essa guinada: mesmo distante, ela deixa-se agarrar. Ao se sentir culpada pela morte de uma mulher, aceita a jornada por um mínimo que não pode ser ignorado, algo cada vez mais em desuso: o nome. Ou, antes, o humano.
(La fille inconnue, Jean-Pierre e Luc Dardenne, 2016)
Nota: ★★★☆☆
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