Sinais de exaustão invadem um dia na vida do professor George (Colin Firth). De terno impecável e óculos avantajados, ele está amargurado, devorado pelas lembranças. Sua dor, em Direito de Amar, de Tom Ford, envolve a perda do companheiro com quem viveu por 16 anos. Em diálogo com a melhor amiga, ele faz questão de ressaltar o tempo para ressaltar a dificuldade de seguir em frente: era o homem de sua vida.
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E a vida sem o outro, resumida em momentos solitários na casa cercada de vidro, é o desafio desse mesmo dia. O trabalho de Ford faz pensar em As Horas, de 2002, dirigido por Stephen Daldry – e não apenas pela presença de Julianne Moore.
Ambos percorrem um dia, ambos abordam pessoas presas ao passado, a tragédias, pessoas que não conseguem viver porque pensam demais, ou porque são obrigadas a viver com um sentimento canibal em relação ao outro: são devoradas a cada instante por tudo o que parece belo, pelas crianças e seus sinais de perfeição, pela vida americana.
No caso de George, o rádio e a televisão oferecem medo externo: a história corre no início dos anos 60, quando os Estados Unidos viviam a crise dos mísseis com a vizinha Cuba, na Guerra Fria. O protagonista viveu a Segunda Guerra – época em que conheceu o companheiro – e agora vive outra, silenciosa, feita de medo.
O professor fala justamente do medo durante sua aula. É o que dá corpo às minorias, diz ele. O medo de sair de casa, de assumir outro lado, o medo de pertencer. Não por acaso, suas palavras dão a exata ideia de alguém que cansou de viver com medo, e que cansou de viver: George decide que o dia que corre é o último de sua vida.
A opção pelo suicídio também leva a pensar em As Horas, com três histórias paralelas nas quais as personagens podem ou não aderir ao fim por vontade própria. O mal-estar contrapõe a beleza, e os detalhes emitem sinais de um universo indigesto.
O prazer da carne é uma fuga. O jovem com cabelo engomado, à moda James Dean, com a camiseta branca colada ao peito (como um Marlon Brando), é sedutor demais ao homem que escolhe a morte. Talvez não queira se aventurar ali, àquela altura, momento em que o convite ao sexo é apenas uma forma de se evitar o óbvio.
George cansou de devorar e ser devorado. As diferenças entre tempos dão vez ao seu olhar, no passado e no presente: a maneira como descobriu o amante, Jim (Matthew Goode), e como passou a viver tomado por lembranças intermináveis dessa relação.
A foto do amante nu, na praia, os momentos que viveram ao som de discos de vinil lendo Kafka ou Truman Capote, o dia em que se conheceram, em um bar abarrotado de pessoas, sob o efeito dos novos tempos – o fim da Segunda Guerra Mundial.
Ao longo desse dia, Direito de Amar expõe as duas vidas de George, a pessoa que amou e as que não conseguirá amar, além da criança (a vizinha) que lhe apresenta, como em sonho, o recipiente com um escorpião, devorador em seu pequeno Coliseu.
Os momentos de alívio permitem luzes a mais ao perdido protagonista. Firth, em sua melhor interpretação, sabe como remediar a dor e não ser o simples derrotado. Resistirá ao belo anjo que o persegue, novo Tadzio materializado em Nicholas Hoult, misto de descoberta e recomeço, com contornos da história que já viveu.
(A Single Man, Tom Ford, 2009)
Nota: ★★★☆☆
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