Capitão Fantástico, de Matt Ross

A opressão confunde-se com liberdade em Capitão Fantástico. Ao dar aos filhos a oportunidade de viver em um mundo longe das amarras do sistema, Ben (Viggo Mortensen) termina por privá-los de experiências fundamentais para encarar a vida.

A família vive na mata. A casa é de madeira. O alimento é retirado da natureza. Os filhos são treinados para a sobrevivência e, no início, um ritual leva um deles, o mais velho, a matar um cervo e depois a comer seu coração. Selvagem e real.

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À frente, após sair em viagem, a família depara-se com dois frangos à mesa, na casa de parentes. Alguém logo pergunta como esses animais chegaram até ali. O filme de Matt Ross expõe a diferença entre viver na sociedade com seus problemas, com suas facilidades e vícios, e viver à margem, em suposta liberdade.

A mãe, ao se suicidar, obriga o pai e os filhos a saírem em viagem. Seguem ao funeral da mulher, levado à frente pela família cristã. A mulher desejava ser cremada em um ritual regado à festa, além de ter as cinzas lançadas em um vaso sanitário. O pai e os filhos pretendem cumprir a promessa, contra os planos da família tradicional.

O filme brilha a cada momento. O mundo ao redor, seja na floresta, seja na cidade, espelha o olhar do novo, a descoberta dos meninos, a experiência que, mesmo com seus problemas, traz algo grandioso: não se esconde, aqui, o viés cômico.

A divisão nem sempre é clara, e o filme nem sempre perde o sentido do drama e sua seriedade. As frases soltas, como as das crianças, ajudam no tom disfuncional da empreitada, com planos que incluem furtos e fingimentos, resgates e escolhas difíceis. O drama está no todo, na situação geral. A comédia parte de pequenos atos.

As crianças foram educadas pelo pai e pela mãe. Conhecem filósofos, grandes autores, conhecem a Constituição. Falta a elas a malícia (necessária) para se adaptar àquilo que, fora, logo se impõe: as descobertas da carne, o confronto com a sociedade hostil.

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O flerte com uma garota, a certa altura, deixa claro que esses filhos – nesse caso, o adolescente Bo (George MacKay) – não sabem nada (ou quase nada) sobre algumas experiências reais, sobre os obstáculos que, ora ou outra, serão colocados no caminho de todos. É inevitável enfrentar essas barreiras, ainda que o pai tente protegê-los.

Até o momento, perto do fim, que esse mesmo pai rende-se à necessidade de deixar que os filhos encontrem outra forma de proteção. A sociedade ao redor, de casas belas e supermercados, dispensa guerreiros imbuídos de missões. Depois que uma das filhas acidenta-se, Ben entende que seus ensinamentos perdem o sentido fora da floresta.

É quando decide se transformar, rejuvenescer: corta a barba, viaja sozinho (crê) e permite que os filhos, deixados para trás, encontrem o próprio caminho. Capitão Fantástico leva a pensar em uma liberdade quase sempre ilusória. Ser livre, Ben descobre, não significa abrir mão de alguns itens sedutores e comuns ao sistema.

(Captain Fantastic, Matt Ross, 2016)

Nota: ★★★☆☆

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