Anjos de Cara Suja, de Michael Curtiz

Nos rostos dos garotos que formam os Dead End Kids, Rocky Sullivan vê o próprio reflexo: o rapaz do passado, quando era jovem, época em que foi detido e levado a um reformatório, antes de se profissionalizar no mundo do crime.

A primeira parte de Anjos de Cara Suja leva a essa época, em que Rocky, na companhia do amigo Jerry Connolly, vê o bairro do alto, da escada de incêndio do prédio, as meninas que passam, as pessoas que se amontoam para ganhar a vida por ali.

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Eles vivem o instante seguinte: depois de perambularem pela linha de trem, resolvem furtar um carregamento de canetas. Jerry questiona Rocky sobre a necessidade de ter esses objetos, momento em que o amigo diz que tudo pode ser vendido.

Tentam furtar, são perseguidos, e Rocky termina preso. É fiel ao amigo no reformatório: não o entrega à polícia. Rocky, interpretado na fase adulta pelo gigante James Cagney, torna-se bandido; o amigo Jerry, sob a face de Pat O’Brien, forma-se padre do bairro.

A oposição está dada nesse grande filme de Michael Curtiz: o remédio contra os bandidos está na igreja que não demora a surgir. Quando Rocky é libertado e procura pelo amigo, este comanda os jovens do bairro em seu espaço, a cantar, na igreja que libera as luzes de salvação a um filme coberto, em grande parte, pelas sombras.

Sombras, importante lembrar, que ocupam a caminhada de Rocky. E revelar esse destino dado não é novidade: é o que resta aos criminosos em filmes do tipo, aos gângsteres que decidem viver à margem, com seus negócios ilícitos.

Os Dead End Kids ganharam destaque no também poderoso e anterior Beco Sem Saída, de William Wyler, e no qual a oposição fica por conta de Humphrey Bogart e Joel McCrea, o bandido que retorna ao seu bairro e o bom homem que vaga por ali.

O ambiente sujo escapa ao realismo: em ambos os casos, os estúdios tentavam – e nem sempre conseguiam – reproduzir o meio urbano e marginal da época, ainda sob os efeitos da Grande Depressão. Por outro lado, esse visual dava vez às falsidades do cinema clássico, o que nunca era um problema por completo.

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Nesse ambiente, Bogart e Cagney podem tramar as saídas mais simples e às vezes menos convincentes e quase sempre convencer o espectador com um desfecho qualquer. Todo o mundo ao redor se torna fácil, destrutível ao menor golpe, ao mesmo tempo acabado em suas oposições, como o enfadonho O’Brien.

Em alguns filmes realizados na década seguinte, como Cidade Nua, o ambiente dos criminosos e da polícia passa a ganhar novos contornos: a cidade torna-se grande demais. Não se fala apenas de um bairro, de alguns garotos, de poucos vilões.

Anjos de Cara Suja ainda guarda as características passadas, como se o mundo em questão não fosse além do observado na abertura, quando a câmera sai à busca dos protagonistas jovens, que se colocam a ver esse mesmo mundo do alto, a dominá-lo.

Esse falso espaço possível, entre bandidos e padres, luzes e sombras, não pode ser repetido – nem sequer pensado – sem parecer distante aos olhos atuais. O filme de Curtiz é uma joia perdida, com um delicioso demônio ao centro.

(Angels with Dirty Faces, Michael Curtiz, 1938)

Nota: ★★★★☆

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