Identidade, duplos e os labirintos da alma (em 24 filmes)

O reino de máscaras e cópias encontra no cinema um espaço privilegiado. São muitos os filmes que fazem essa abordagem, com personagens divididas, a confrontar o outro, estranho e não raro inerente. A lista abaixo traz filmes de diferentes épocas, alguns baseados em autores famosos, levando o espectador a labirintos, sem respostas fáceis.

Curta o Palavras de Cinema no Facebook

O Grande Gabbo, de James Cruze e Erich von Stroheim

O diretor Stroheim interpreta a personagem-título, ventriloquista que entra em confronto com seu próprio boneco, Otto, sua outra face, seu contato com o mundo feito de festas e amores, de sequências musicais nos palcos da Broadway. Dois lados de um mesmo homem, cujo embate poderá levá-lo à miséria, também à loucura.

o-grande-gabbo2

O Médico e o Monstro, de Rouben Mamoulian

A clássica história baseada no livro de Robert Louis Stevenson. Fredric March ganhou seu primeiro Oscar como Henry Jekyll e o oposto, o senhor Hyde, o homem e o monstro, sob os cenários e a câmera subjetiva utilizada na abertura – e segunda a qual todos os espectadores também se tornam parte daquele homem, ou daquela criatura.

o-medico-e-o-monstro

O Homem que Nunca Pecou, de John Ford

Filme menos lembrado do mestre Ford, com Edward G. Robinson em papel duplo: o funcionário padrão que nunca chega atrasado ao trabalho, também o bandido mais temido na cidade. Claro que as duas figuras a certa altura se encontrarão, e claro que a provável troca de papéis gerará situações curiosas. Vale a descoberta.

o homem que nunca pecou

Um Corpo que Cai, de Alfred Hitchcock

Após não conseguir salvar a mulher amada, o detetive de James Stewart vê a possibilidade de transformar “outra” mulher na anterior. Aos poucos, ele descobre que se trata da mesma. Obra-prima de Hitchcock sobre o amor obsessivo, com Kim Novak na pele da loura misteriosa Madeleine Elster e, depois, na da morena Judy Barton.

um-corpo-que-cai

Quando Duas Mulheres Pecam, de Ingmar Bergman

O próprio Bergman considerava Quando Duas Mulheres Pecam – ou Persona, como é também conhecido – um de seus filmes mais completos. É o encontro de duas mulheres, depois isoladas em uma ilha, a atriz Elisabet Vogler (Liv Ullmann), que emudeceu, e a enfermeira falante Alma (Bibi Andersson), em um poderoso jogo de máscaras.

quando-duas-mulheres-pecam

O Segundo Rosto, de John Frankenheimer

Homem poderoso contrata uma organização para simular sua própria morte. Ele deseja mudar de vida e se tornar mais jovem. Na nova roupagem, com seu segundo rosto, ganha a forma do galã Rock Hudson. No entanto, a mudança trará consequências. O grande thriller de Frankenheimer banha-se no clima da Guerra Fria.

o-segundo-rosto

Peppermint Frappé, de Carlos Saura

O título refere-se à bebida servida nos encontros das personagens. Saura aproxima-se de Buñuel, do surrealismo, com seus tambores de Calanda, e explora uma história às raias do absurdo. É sobre um homem impotente que tenta transformar uma mulher em outra, a morena em loura atraente, a exemplo do já citado Um Corpo que Cai.

peppermint2

Partner, de Bernardo Bertolucci

Baseado em O Duplo, de Dostoievski, é o filme do cineasta italiano que mais se aproxima do clima político de 68, com seus jovens contestadores e a estrutura que flerta com Jean-Luc Godard. O estudante ao centro, interpretado por Pierre Clémenti, tem suas convicções abaladas quando passa a ser confrontado por seu duplo.

partner

Performance, de Donald Cammell e Nicolas Roeg

Antes dos extraordinários A Longa Caminhada e Inverno de Sangue em Veneza, Roeg dividiu com Cammell a direção desse filme conectado com seu tempo, sobre um gângster (James Fox) que, em fuga, pinta o cabelo e termina na grande casa de Turner (Mick Jagger). Com doses de psicodelia, eles começam a se fundir.

performance

Irmãs Diabólicas, de Brian De Palma

A história de uma mulher que perdeu sua irmã siamesa após a separação dos corpos. Fica a cicatriz, a marca do rompimento em um filme curioso do arquiteto De Palma, sempre se banhando no universo de Alfred Hitchcock. Há o voyeurismo nas sequências da janela, quando a jornalista observa um assassinato, e também a dupla personalidade.

irmas-diabolicas

Profissão: Repórter, de Michelangelo Antonioni

A personagem de Jack Nicholson, repórter desiludido, vê a oportunidade de mudar de vida: ela assume a identidade do homem no quarto ao lado, em um hotel, em um ponto remoto do globo. Antonioni volta ao campo da identidade nesse belo filme. O encerramento é inesquecível: a câmera percorre o quarto e atravessa as grades da janela.

profissão repórter

Três Mulheres, de Robert Altman

O filme de Altman deve algo a Quando Duas Mulheres Pecam, de Bergman, e insere ainda uma terceira figura feminina. Aborda a relação de duas mulheres (Shelley Duvall e Sissy Spacek) quando passam a trabalhar juntas em uma casa de repouso e quando uma tenta se tornar a outra. Altman, em grande momento, propõe um enigma.

Gêmeos – Mórbida Semelhança, de David Cronenberg

Os gêmeos de Cronenberg compartilham a mesma profissão e a mesma ciência: a ginecologia. Mas ambos expõem suas diferenças, o que aumenta o clima destrutivo, ajudado pela mulher entre eles, a misteriosa Geneviève Bujold. Um dos grandes trabalhos do diretor de Videodrome: A Síndrome do Vídeo e Marcas da Violência.

gemeos

A Dupla Vida de Véronique, de Krzysztof Kieslowski

A ideia é curiosa: todas as pessoas teriam um duplo em algum lugar do mundo. A protagonista e sua cópia são vividas por Irène Jacob. Ainda no início, uma consegue ver a outra, em um ônibus, enquanto a segunda fotografa seu duplo sem saber. O resultado é mais um trabalho exemplar de Kieslowski, aqui em sua primeira incursão pela França.

a-dupla-vida-de-veronique

Clube da Luta, de David Fincher

Incluir o filme de Fincher nesta lista é correr o risco de revelar muito. Seu protagonista é alguém sem caminho (Edward Norton), que descobre na violência um novo sentido para a vida. E descobre que essa busca pode, a certa altura, ganhar proporções inimagináveis – enquanto segue atormentado pela figura de Brad Pitt.

clube da luta

Cidade dos Sonhos, de David Lynch

Duas mulheres, uma loura e uma morena, faces da mesma moeda, na Hollywood delirante de Lynch. Ao que parece, começa como sonho, com a chegada de uma jovem atriz (Naomi Watts) a Los Angeles e os problemas de outra (Laura Harring), que sofreu um acidente e perdeu a memória. Para muitos, o ponto alto da carreira do diretor.

cidade dos sonhos

Adaptação, de Spike Jonze

Outro sobre o mundo do cinema. Aborda as relações de um roteirista (interpretado por Nicolas Cage, e que pode ser o próprio Charlie Kaufman) com seu duplo, seu gêmeo que sempre aparece para soltar palpites sobre sua vida. Detalhe: o roteiro desse filme inventivo é assinado por Charlie Kaufman e um inexistente Donald Kaufman.

adaptação

O Rabo do Tigre, de John Boorman

O protagonista, um empresário, descobre que seu duplo vive pelas ruas e representa o outro lado do sistema capitalista em questão: é seu gêmeo que foi deixado para trás, que, diferente dele, não teve as mesmas oportunidades. A aparência kafkiana dá espaço à abordagem social. O duplo retorna para atormentar o protagonista endinheirado.

o-rabo-do-tigre1

O Homem Duplicado, de Denis Villeneuve

Muitos cinéfilos consideram o filme incompreensivo, com passagens absurdas, como o encerramento com a aranha gigante no interior do quarto. Os tons pastéis salientam um clima de sonho, a cercar o público de dúvidas. E o protagonista, vivido por Jake Gyllenhaal, almeja ser como seu duplo, um ator de vida movimentada.

o-homem-duplicado

Viva a Liberdade, de Roberto Andò

Político atingido por pressões de todos os lados decide desaparecer. Seu partido, na Itália, decide colocar seu irmão gêmeo no seu posto. O que poderia ser um desastre torna-se uma vitória: o outro fala o que vem à mente e logo se torna um sucesso com o eleitorado. E, como costume, há uma (dupla) interpretação acertada de Toni Servillo.

viva a liberdade

O Duplo, de Richard Ayoade

Jesse Eisenberg serve bem à personagem, rapaz impotente que tenta se aproximar de uma bela moça (Mia Wasikowska), no trabalho, e que passa a ser atormentado por seu duplo. A cópia representa tudo o que ele não é, e talvez tudo o que sonhasse ser. Mais uma adaptação direta de O Duplo, de Dostoievski, e em um universo surreal.

o-duplo

Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância), de Alejandro González Iñárritu

Ator tenta provar que pode dar a volta por cima, com uma peça séria na Broadway, enquanto é atormentado pelo passado: a personagem que ele viveu no cinema, o herói Birdman, retorna para cobrá-lo, para salientar sua fraqueza nesse labirinto de atores, parentes, nesse meio em que todos tentam se entender e no qual tudo parece efêmero.

birdman

O Amante Duplo, de François Ozon

Uma garota misteriosa (Marine Vacth) relaciona-se com um rapaz pacato. Ao buscar terapia, descobre alguém idêntico ao amante e namorado, seu duplo, seu irmão, ao mesmo tempo o oposto do outro. Envolve-se com ambos, interpretados por Jérémie Renier. Com ecos de Gêmeos, de Cronenberg, este é um dos melhores filmes de Ozon.

Nós, de Jordan Peele

A ideia central chama a atenção: todas as pessoas possuem um duplo que, a repetir seus gestos e ações, vivem no submundo. Certo dia, a cópia resolve sair à luz do sol e dar início à sua vingança. Depois do morno Corra!, Peele acerta em cheio com esse filme voltado ao universo fantástico e arranca de Lupita Nyong’o uma ótima interpretação.

Veja também:
Nós, de Jordan Peele
Peppermint Frappé, de Carlos Saura
O Grande Gabbo, de James Cruze e Erich von Stroheim

2 comentários sobre “Identidade, duplos e os labirintos da alma (em 24 filmes)

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s