O cinema é o espaço do voyeur. O espaço do proibido, do íntimo e impenetrável – ou quase isso. Os filmes abaixo apresentam desejos de pessoas ou grupos, divididos, em alguns casos, apenas com o espectador, seu cúmplice. Obras de diferentes cineastas e épocas, com fetiches variados.
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Atração por pés (podolatria) – O Alucinado
No início dessa grande obra de Luis Buñuel, seu protagonista, um obsessivo, observa os pés das mulheres no interior da igreja – justamente quando o padre lava os pés dos frequentadores, durante uma cerimônia. É ali que ele atenta-se a uma mulher entre várias, sua desejada e futura esposa. Um filme sobre ciúme e perseguição.

Atração por deformidades (teratofilia) – A Tortura do Medo / Crash – Estranhos Prazeres
O melhor exemplo do cinema sobre o desejo pela deformação. Esse estranho fetiche vai sendo revelado aos poucos e, a certa altura, o espectador descobre que o protagonista gosta de matar mulheres vendo seus rostos distorcidos no espelho. Em uma cena específica, ele fica deslumbrado por uma prostituta com o lábio deformado. Seu rival nesse quesito parece mesmo ser Crash – Estranhos Prazeres, de Cronenberg.


Atração por criminosos – Marnie, Confissões de uma Ladra / Bonnie e Clyde: Uma Rajada de Balas
O marido, vivido por Sean Connery, estuda zoologia e tenta entender a mulher, Marnie (Tippi Hedren), a ladra platinada. O desejo do homem a certa altura fica evidente (e seria confirmado pelo diretor Alfred Hitchcock): ele deseja fazer sexo com ela quando está prestas a cometer seu crime. A saber: ela é uma ladra compulsiva.
Em Bonnie e Clyde, lançado alguns anos depois, a bela Bonnie (Faye Dunaway) não resiste ao prazer do perigo e dos crimes ao qual seu novo parceiro (Warren Beatty) convida-a. Tornam-se bandidos perigosos e procurados em todo o país, nos Estados Unidos da Grande Depressão.


Atração por sujeira ou fezes (coprofilia) – A Bela da Tarde
O mestre Buñuel foi o rei da exploração de fetiches no cinema. Eis outro exemplo famoso: o momento em que Séverine (Catherine Deneuve), amarrada, tem lama lançada contra seu corpo pelo amigo do marido. Trata-se de desejos ocultos divididos apenas com o espectador. Ela torna-se prostituta em um bordel para tentar realizá-los.

Atração pela monstruosidade – Possessão
O filme mais famoso do grande diretor polonês traz Isabelle Adjani como Anna, que passa a apresentar comportamentos estranhos e é seguida pelo marido, Mark (Sam Neill). O que ele descobre é assustador: a companheira mantém relações sexuais com uma criatura monstruosa. Outro caso de teratofilia, aqui com doses de surrealismo.

Ser tratado como criança (autonepiofilia) – Veludo Azul
O rapaz (Kyle MacLachlan) está escondido no armário e assiste à sessão de sadismo de Frank Booth (Dennis Hopper), quando este investe contra a frágil Dorothy (Isabella Rossellini). Ele rasteja às suas partes íntimas, cheira gás e, aparentemente dopado, faz-se um bebê em busca de sexo com a representação da mãe. Obra-prima de David Lynch.

Vestir-se de mulher – Ed Wood
Mais conhecido como “o pior diretor de todos os tempos”, Ed Wood ganha vida na pele de Johnny Depp no filme de Tim Burton. Uma das manias do excêntrico diretor – sempre tratado com certa inocência por Burton – era se vestir de mulher. Apesar de cômica e nostálgica, a obra não deixa de ser um retrato triste de artistas à margem.

Atração por máquinas e acidentes – Crash – Estranhos Prazeres
Obra-prima de David Cronenberg sobre um grupo de fetichistas ligado às máquinas, ao sexo, também ao cinema. Eles excitam-se nos veículos, exploram o desejo pela deformidade gerada por colisões e chegam a reproduzir acidentes que tiraram a vida de figuras famosas como James Dean. Perfeito retrato da busca pelo prazer na era moderna.

Ouvir histórias eróticas – Ondas do Destino
Feito ainda no período do Dogma 95, época em que Lars von Trier apostava em uma câmera livre, de imagens “imperfeitas”, aqui a tratar de uma moça ingênua (Emily Watson) que se vê obrigada a procurar outros parceiros quando o marido sofre um acidente. Preso à cama, ele deseja ouvir os relatos de suas aventuras sexuais.

Atração pelo sangue – Desejo e Obsessão
Há também toques de canibalismo nesse trabalho perturbador de Claire Denis, discípula de Jacques Rivette. Um homem recém-casado (Vincent Gallo) está em lua de mel em Paris e tenta resistir a seu desejo por sangue. Em paralelo, o espectador conhece uma mulher (Béatrice Dalle) aprisionada, que mata homens para realizar seus desejos sexuais.

Masoquismo – A Professora de Piano / Maîtresse / Dogs Don’t Wear Pants
Pianista reclusa, aparentemente fria, a protagonista (Isabelle Huppert) sai em busca de excitação quando não está dando aulas. Frequenta cinemas pornográficos e ambientes de perversão. A história dá uma guinada quando ela passa a manter uma estranha relação com um de seus alunos (Benoît Magimel), o que inclui jogos perversos.
Já em Maîtresse, um ladrão (Gérard Depardieu) começa a se relacionar com a dona (Bulle Ogier) de um apartamento que pretendia assaltar. Ali, ela trabalha como uma dominatrix. Outra boa pedida sobre o tema é o recente Dogs Don’t Wear Pants, no qual um homem de vida pacata descobre prazer intenso ao ser dominado.



Atração por cadáveres (necrofilia) – Beleza Adormecida
A protagonista (Emily Browning) é uma prostituta que divide seu tempo entre fisgar homens em um bar e servir às perversões de frequentadores de um castelo afastado. Ela aceita dormir nua, sob o efeito de remédio, sem saber o que se passa no quarto. Os clientes, por sua vez, devem respeitar as regras da casa e não fazer sexo com ela.

SOBRE O AUTOR:
Rafael Amaral é crítico de cinema e jornalista (conheça seu trabalho)
Veja também:
Dogs Don’t Wear Pants, de J.-P. Valkeapää